Saúde de Camaçari: 30 dias de bate cabeça e muita fumaça
Expressões populares como "Pelo andar da carruagem, já dá pra saber onde vai parar" refletem bem o cenário da nova gestão da saúde em Camaçari. A tradição de aguardar os 100 primeiros dias para avaliar administrações públicas, iniciada nos EUA por Roosevelt em 1933, hoje se torna obsoleta diante da velocidade da informação. Com a internet e o planejamento pré-posse, em 30 dias já se permite uma análise inicial justa e necessária.
A nova gestão da saúde de Camaçari, assume em um contexto radicalmente diferente daquele de 12 anos atrás, quando o prefeito esteve no poder. As políticas públicas evoluíram, a realidade epidemiológica mudou e os desafios se tornaram ainda mais complexos. O SUS passou por muitos avanços e possui muitas perspectivas, a valorização da Atenção Primária, a chegada da Saúde Digital, a expansão das Práticas Integrativas e Complementares (PICS) e dos Cuidados Paliativos, assim como o aumento da judicialização da saúde, demonstra que administrar esse cenário exige expertise técnica, visão estratégica e profundo conhecimento da realidade local.
No entanto, a equipe gestora nomeada até agora revela falhas graves: muitos vieram de outros municípios e não conhecem a complexidade do sistema de saúde de Camaçari. Outros, apesar de locais, estavam afastados da gestão há anos, tornando-se alheios às inovações do SUS. A falta de vínculo com a cidade e com a SESAU compromete a realização de um planejamento eficaz e coloca em risco a qualidade dos serviços e a saúde dos seus usuários.
A distribuição de cargos também levanta preocupações. Nos primeiros 30 dias gestão, já foram nomeados: a secretária e a subsecretária de saúde, 10 diretores, 9 assessores, 22 coordenadores, 66 supervisores, 13 gerentes, 12 chefes de setor e 22 servidores efetivos foram contemplados, sem critérios conhecidos, com gratificações que variam de 10% a 120%, sobre o seu vencimento básico. Numa simples análise do site do Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde (http://cnes.datasus.gov.br/), verifica-se que 90% das pessoas nomeadas não possuem vínculo e/ou histórico no CNES com o município e, muito menos, com a Secretaria de Saúde (SESAU), evidenciando que nunca trabalharam no SUS.
Além disso, a ação do prefeito de cooptar gestores da administração anterior resultou na escolha de profissionais com histórico de baixo desempenho, o que enfraquece ainda mais a capacidade da equipe de enfrentar os desafios atuais. Aqui também, presenciamos o “bate cabeça” dos gestores, pois uma pessoa era nomeada e seguida, o Diário Oficial publicava um outro Decreto tornando “sem efeito” aquela nomeação.
Gestores importados tendem a trazer soluções genéricas, baseadas em suas experiências anteriores, sem considerar as particularidades de Camaçari, como a demanda das pessoas com deficiência, como o transtorno do espectro autista (TEA), e o desafio histórico de combater o clientelismo político, que existe de forma orgânica no município, e estreita o gargalo do acesso a especialidades médicas e exames.
Durante este período, muita fumaça foi gerada. Alguns gestores encheram seus perfis nas redes sociais com postagens ostensivas, tentando aparentar uma gestão ativa, mas, na verdade, seu intuito é ocultar a falta de planejamento e resolutividade. Vejamos alguns pontos:
A marcação de exames e consultas está paralisada, deixando médicos dos serviços próprios e das clínicas credenciadas sem pacientes agendados. A distribuição de medicamentos na atenção básica permanece irregular, assim como a entrega de benefícios do SUS, como fraldas descartáveis e leite. Os agentes de combate a endemias ainda não foram a campo para realizar as visitas necessárias ao enfrentamento do mosquito da dengue.
Apesar desse cenário, celebram a reinauguração da UPA dos PHOCS, que já havia sido inaugurada em outubro do ano passado. Anunciam a chegada de uma ambulância e uma van para transporte por meio de uma emenda parlamentar, esquecendo que deputados federais não fazem emendas no orçamento estadual. Alegam a aquisição de duas ambulâncias do SAMU, mas essas foram solicitadas na gestão anterior para renovação da frota.
Também afirmam que encontraram as Unidades de Saúde fechadas, quando, na verdade, todas estavam operando e retomaram as atividades em 2 de janeiro após o recesso de fim de ano.
É inadmissível a lentidão dos gestores em atender a população, considerando que receberam a administração com todos os contratos e convênios em pleno funcionamento. Ao invés de resolverem essas pendências, preferem desviar a atenção com postagens de compras na feirinha da prefeitura.
A ausência de um diagnóstico situacional sólido pode levar a decisões erradas e a uma gestão desarticulada. Para minimizar os impactos dessa desconexão com a realidade, seria essencial investir na capacitação dos nomeados sobre o SUS, no fortalecimento do Conselho Municipal de Saúde e no suporte técnico de órgãos como o Conselho de Secretários Municipais de Saúde e a Secretaria Estadual de Saúde — apoio este que, ironicamente, foi propagandeado pelo próprio prefeito durante a campanha.
O ano de 2025 será um dos mais desafiadores para a saúde de Camaçari. Sem gestores preparados e comprometidos com uma administração técnica e eficiente, o risco de retrocessos é imenso. Para avançar, a gestão precisará abandonar práticas ultrapassadas, adotar um planejamento sério e priorizar as verdadeiras necessidades da população.
Como diz Adelmo Borges, colunista do Portal Camaçari Agora: “Que Deus e os Orixás nos protejam.”
Luiz Duplat duplat.luiz@hotmail.com é médico obstetra, especialista em saúde da família e ex-secretário de saúde de Camaçari
Opiniões e conceitos expressos nos artigos são de responsabilidade do autor
02/02/2025