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Edson Miranda no Colunistas: Camaçari e o voto em duas cores


Edson Miranda é jornalista, publicitário e professor universitário

Camaçari, um exemplo da atual carnavalização das eleições 


Pensei em começar este texto fazendo uma comparação, porém, percebi o quanto seria acintoso fazer uma analogia do processo eleitoral em Camaçari com o duelo de Bois do maravilhoso Folclore Popular. Vendo essa tal "mobilização" das torcidas, Azul e Vermelha, 50 mil torcedores para lá, 40 mil torcedores para cá, quase fui induzido a esse grande erro.


Vejo agora, compará-los seria uma cegueira de análise e um reducionismo chulo de minha parte. Em termos bem rápido, no caso do folclore, se trata de uma verdadeira mobilização espontânea, uma paixão desinteressada, dos torcedores dos bois. Na eleição atual, não é esse o motor das pessoas, na verdade, trata-se de uma compra disfarçada dos torcedores. Não é mais uma paixão sem interesses, como já ocorreu em outros momentos. O vício, o interesse mais imediato, atualmente, assumiu o lugar da ingenuidade e da virtude. A grande diferença já começa por aí. No final de tudo, a competição de Bois da Cultura Popular é uma manifestação que fortalece o sentido de comunidade, traz divisas e um importante coesionamento social.


Ao contrário, na atual eleição de Camaçari, o que se verifica é uma  aceleração da degeneração da política. Nesse caso, a política deixa de ter, também, um papel fundamental de coesionamento social e comunitário, ao se tornar uma farsa carnavalesca. 


Neste tipo de realidade, todos perdem, principalmente o município e sua população mais miserável e oprimida. 


O que acontece em Camaçari e no estado da Bahia de um modo geral, é exatamente o contrário do que a Política é capaz de construir: paz, desenvolvimento material e espiritual, educação política das multidões apartadas e alienadas de como ocorre o exercício do poder local e nacional.


É uma total deturpação do processo político-eleitoral e só não é visto dessa forma pelas instituições encarregadas de sua normatização, TRE/TSE, porque estas instituições também foram engolfadas por essa mesma apatia moral. Se restringem apenas a fiscalizar e punir alguns poucos excessos dos contendores, porém, não trabalham para que as eleições se tornem o que, de fato, deveria ser: um verdadeiro Ecossistema da vida social e de suas comunidades. 


Logo, se não é isso o que acontece, se, ao contrário, ocorre uma instrumentalização de torcidas, uma grande corrupção por baixo dos panos, um uso negativo de recursos públicos, termina contribuindo para um déficit de aprendizado da população, para uma degeneração geral,  perda de aspectos cognitivos e perceptivos fundamentais para os seres humanos, só para citar alguns poucos danos. 


Nesse sentido, é de tragédia que estamos falando. Caso tal situação permaneça por mais tempo, o tecido social de Camaçari, que já se encontra em franco desequilíbrio, acumulará ainda mais riscos de adoecimento. 


Não pensem os políticos, que estão, com isso, enganando e iludindo as multidões. Existe uma razão nesse comportamento que ao fim e ao cabo, é da ordem da tragédia, como os gregos nos fizeram enxergar. Não consigo afirmar que gostem genuinamente dessa esbórnia toda, mas, consigo intuir que,  por um hedônico desejo,  essa tal carnavalização é apreciada pelas multidões e, se dependesse da vontade delas, iria até depois da Quarta de Cinzas, se juntaria à Madeirada da Ivete, à Psiricada e à Cruzada do Kannário. 


Na minha opinião, essa é uma maneira enviesada, por parte das multidões, de também participar do banquete nababesco dos políticos e seus partidos, garantido pelos mais de cinco bilhões de reais do fundo eleitoral deste ano, evidentemente, comendo só "água dura" e um churrasquinho de costela. Mas, não deixa de ser um aviso: se você quer, eu também quero, se você pode, eu também posso, do meu jeito. Não deixa de ser uma forma de "dar o troco" aos políticos.


As torcidas devem pensar: -se durar mais um pouquinho, alcançaremos a prometida picanha. Além é claro, de mais e mais cinquentinhas na condição de figurantes nos showmícios de rua, regados a paredão e cerveja "de grátis", e dos centro e cinquentinhas para o trampo diário na condição de carregadores de bandeiras, cuja principal tarefa é forjar um "mar de azul" e um "paraíso de encarnados", vermelhos, para serem replicados nas redes sociais. Êh mundão veio enganador!


É assim que a multidão raciocina, (prefiro o termo "multidão" ao termo "massa", multidão também envolve os ditos letrados), em primeiro lugar vem a barriga, sua sobrevivência biológica. Em segundo lugar, vive-se na e pela máxima carnavalesca que diz que "no carnaval, ninguém é de ninguém". Em terceiro, se já é o reinado de Momo, então, que se amplie nossos dias de farra, como num grande e alegre feriadão.


Esse atual modelo de marquetingue carrega um certo atraso em relação ao dudismo que fez escola ao descobrir que no Brasil e, principalmente no Nordeste, quem ganha eleição é o pobre miserável. Também em relação ao sidonismo, cria do dudismo, que repaginou uma velha fórmula rasa para um êxito mais duradouro dos seus clientes na política: as velhas historinhas de uma vida que "prospera", como se se tratasse de muitas vidas, de todas as vidas, apenas com certas políticas, certos políticos e certos governantes. Nada muito diferente do que os atuais coaches e influenciadores fazem, tendo como base a ideia de mérito, de uma nova mentalidade e conduta que, segundo eles, é fruto do esforço pessoal e intransferível do próprio indivíduo. Cancelando, dessa maneira, o papel do Estado e dos políticos. 


Importante ressaltar, muitos dos tais influenciadores, também, trazem consigo uma performance enganadora de incautos, com o objetivo de difundir uma outra ideologia, à da supremacia do capitalismo e do individualismo na condução da vida no mundo. Jogando para debaixo dos tapetes, as muitas das circunstâncias, contingências, contextos de exploração e origens sociais negativas que travam, por completo, a possibilidade de muitos indivíduos prosperarem, numa dada sociedade historicamente situada.


No caso dos marqueteiros, como suas "poções mágicas",  fórmulas anteriores,  parecem enfrentar um certo esgotamento, diante de realidades mais complexas, eles tentam, agora, reinventar um outro modismo, um outro "marquetingue", essa tal carnavalização das eleições. Resolvem, assim, partir para "o tudo ou nada", para o popular, "calça de veludo ou bunda de fora". Pelo quiproquó que já se apresenta, sairemos dessa nova onda ainda mais brutos e burros, o pior, totalmente nus! Além de queda, coice! Já dizia mainha.


Carnavalização  Compreendo essa onda de carnavalização como o fundo do poço da política e do político acedioso, aquele que por preguiça, melancolia, interesses incomunicáveis e conveniências inconfessáveis no altar eleitoral, já não se preocupa mais com novas possibilidades de saídas do caos e de formas criativas de distinção na política e na gestão da coisa pública e dos humanos. 


Entretanto, é de bom alvitre, os políticos tradicionais não se iludirem com a cor da Chita, a carnavalização é o campo onde mais o popular sabe jogar, usando suas próprias regras de subversão da "normalidade" da vida oficial. Finge que vai, mas não vai! Come da comida do Vermelho e vota no Azul, bebe da bebida do Azul e vota no Vermelho. Nessas condições, nesse ambiente caótico, o grotesco e a violência já começam a invadir com mais força o domínio da política e das eleições. Nesse caso, é importante reconhecer que não é a "polarização política" que leva ao atual quadro de caos, carnavalização e violência, antes, é a aposta na deseducação dos eleitores/cidadãos e na rápida degeneração dos métodos de exercício da política e do poder que, cada vez mais, fortalece a dita polarização e empurra suas carruagens de fanáticos para o abismo. 


"Comunistas", gritam uns, "Fascistas", gritam outros. Há muito tempo, tais termos, deixaram de ser diagnósticos, baseados em conceitos historicamente definidos, e passaram a significar formas, palavras jogadas ao vento, que servem mais para amedrontar incautos e para um  melhor controle e domínio dos cordões da manipulação política e social, que, no caso do Brasil, nunca saíram das mãos dos poderosos de sempre.


Talvez, dessa atual carnavalização, do fundo desse abismo, desse juízo final, surja alguma esperança de virada do jogo do faz de contas da política dos poderosos e seus representantes políticos tradicionais. Nesse jogo, só eles e os seus ganham. O povo, sociedade, cidades, estado e país sempre se ferram, tomam de goleada dos times dos malandros. São estes, até hoje, os que continuam impondo às regras, os que têm o juiz no bolso, um cartão vermelho a mais na manga da camisa e, ainda por cima, controla o VAR. Talvez, quando acabar essa nova moda de carnavalização, que começou com a futebolização da política, o tal do "nosso time", os políticos acediosos percebam que levaram um tremendo golpe ao favorecerem essa esdrúxula aliança de Momo com Baco. 


Nesse reino atual, Dionísios é o verdadeiro craque da bola e do sapateado! É ele quem sabe e "educa" o eleitor-folião a descer até a "boquinha da urna" para fazer um gol de arrasar quarteirões.


Acredito que torna-se, dessa forma, quase impossível, após esse caos geral - perversão de vontades e, consequentemente, das mais diversas tragédias chegando também às portas de políticos tradicionais e marqueteiros do "vai na onda" - que a Acédia não se apodere desses atuais mensageiros da ignorância.


Esse oitavo pecado capital, esse "demônio meridiano", definido na literatura patrística como uma melancolia profunda, certamente, deve tomar conta, como já o faz em escala, da vida dos políticos e marqueteiros "sem conteúdo", daqueles que ainda desejam ardentemente o poder, o respeito e o reconhecimento eterno das multidões, seus corações e suas mentes, sem querer, entretanto, percorrer a via que conduz digna e honestamente a eles. 


O político tradicional opta pela via mais fácil, opta pelo desvio obsceno, pela vereda que acaba no obscuro pântano, opta de forma corriqueira, "dasapetrechada" de caráter, pela corrupção das nobres vontades, como fazia o velhaco Odorico Paraguaçu. Por isso, para ele, se torna impossível apropriar-se do que, inclusive, por não saber de antemão, é inapropriável: o coração do eleitor. Coração e mente de ser humano é terra que ninguém vai, já diz a sabedoria popular, porém, o político tradicional desconhece até essa milenar filosofia.


Diferentemente da competição de Bois do Folclore Popular, onde ainda permanece algum meio de transmissão da Cultura vivente, na carnavalização da política, o passado, o sentido primordial da Política que é a realização do bem comum, torna-se intransmissível. Na carnavalização, qualquer resquício da boa política, da política com "P" maiúsculo, desse passado da política criteriosa e coletiva, deixa de ser o critério da Ação. Os projetos, por acaso ainda existentes, são pessoais, no máximo dos grupos próximos. Daí, o não debate ou os conturbados debates eleitorais atuais, onde se vê de tudo, de cadeiradas a xingamentos, só não se vê propostas para cura dos males que afetam os eleitores. Para que debater? Debater o que não existe ou só existe no papel ou na imaginação falseadora dos políticos tradicionais? O que não tem remédio, remediado está:  interdite-se o debate nas teles ou em presença. Se existe um novo vazio de conteúdos programáticos, preencha-o, então, com o "Caia na Gandaia" (rsrsrsrs). Ora, vamos "gandaiá" que é muito mais fácil!


Até à carnavalização das eleições, o anjo da história do pintor e desenhista alemão, Paul Klee, ainda dominava algumas narrativas políticas, principalmente por sua representação do Progresso ( caro leitor, veja mais detalhes sobre essa questão em outras leituras), o que ainda nutria com alguma esperança o ser humano. No entanto, agora, depois desse mergulho no abismo da carnavalização, pensar em Klee e na representação comumente aceita do seu anjo, em alguma forma de progresso, nos nutri apenas de nostalgia. 


Nossa nova referência, nessa atual quadra da história, passa a ser o anjo melancólico do também artista alemão, Albrecht Dürer, pois, na atual realidade, a alienação do nosso próprio mundo passa a ser a grande marca do Presente, fruto da carnavalização da dimensão eleitoral da política e da sua redução quase que exclusiva ao seu exercício institucional, normalmente, não inclusivo e cada vez mais excludente. Para qualquer lado que se olhe, só se enxerga pobreza material de muitos, aliada à miséria espiritual da maioria de políticos. Como esperançar num quadro tão desolador? Como esperar que alguma semente do bem prospere nesse terreno árido e improdutivo?


Nessa toada da atual "política", como afirma o filósofo italiano, Giorgio Agamben, "o dia do juízo final não é algo que deva chegar ao final da história e do tempo, mas que antes, é a situação normal do homem. O dia do juízo é um estado de exceção". 


Nesse sentido, em sociedades e lugares atrasados, como os nossos, a carnavalização da política eleitoral não exclui, também, o seu caráter religioso ou do jogo futebolístico. Eles  convivem em plena harmonia e comunhão, possuem vasos comunicantes. Todos esses aspectos eleitoreiros, conformam uma espécie de Dispositivo, uma máquina, capaz de capturar o que eu chamo de "inadequados informacionais" diversos e dispersos no espectro do eleitorado. Assim, serve como um instrumento a mais, uma arma, para "orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas e os discursos dos seres viventes", no caso aqui por mim analisado, os incautos eleitores.


Dessa forma, não custa nada observar que, nesse campo religioso, a figura do traidor ainda continua a ser associada  a moedas, de preferência 30 moedas. Nesse sentido, a ação diligente do governador-padre que tacou sua mula muito rápida para a paróquia camaçariense, com o objetivo de chancelar os acordos com os políticos velhacos,  velhos conhecidos do cidadão camaçariense,  que trocaram de time e de cor, no raiar do segundo turno, pode o tiro sair pela culatra. Se tem uma coisa que o pensamento religioso, mas não só ele, não suporta é a figura de Judas, principalmente na política. 


De alguma forma, o povo desconfia que no alforge da mula do governador-padre, também, vieram as tais das 30 moedas para encher os bolsos dos conhecidos traidores de primeira hora.


Um outro aspecto ainda digno de nota é o quanto o ambiente político eleitoral se tornou terreno movediço, terra das incertezas e o quanto a aliança de Momo e Baco ganhou terreno nessa conjuntura. Antes bastava um tal presidente mandar o recado: "vote em fulano" e o pedido se realizava, agora não, o presidente-padre, também, teve que tocar sua mula para a paróquia de Camaçari. 


No outro time também não foi muito diferente, o atual prefeito que escurraçou muita gente, lideranças importantes do seu partido, para satisfazer sua vontade de realizar uma gestão paroquial, procurando, para isso, justificativas no surrado discurso contra o "estrangeiro", está sendo, agora, "socorrido" pelos velhos escurraçados, os que, também, não conseguem largar esse suculento osso. Diga-se, todo esse malabarismo narrativo dos azuis, exclusivamente, para atender interesses absurdos desses conhecidos membros e famílias da paróquia local.


Para completar o Carnaval fora de época, só falta, agora, uma tal "motociata" dos azuis com o seu cuspidor de fogo favorito, mas, pelo que as trombetas anunciam, é provável que aconteça nesses dias finais do grande carnaval eleitoral de Camaçari.


Agora, é só esperar até o próximo dia 27 de outubro para ver qual animador de torcidas, azul ou vermelho, vai se apoderar das chaves do cobiçado cofre municipal.
É isso, já é Carnaval na política eleitoral brasileira. Deus nos proteja!
Êh, Brasil doido!
Bom dia 


Edson Miranda mbedson@gmail.com é jornalista, professor universitário e escreve no blog do Miranda 


Opiniões e conceitos expressos nos artigos são de responsabilidade do autor

22/10/2024

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