A moça da loja de discos
Atendimento em Salvador é uma barra, seja em restaurante, bar, armarinho, shopping, barraca de praia, pizzaria ou açougue. “O pessoal pensa que tá fazendo favor em atender a gente” – comungo dessa opinião juntamente com milhares de pessoas que moram em Salvador, sejam baianos ou não.
Se é no supermercado, você já está cansado na fila e, quando chega a sua hora, a mulher do caixa para pra bater papo com a colega vizinha e você fica ainda mais aporrinhado porque vai ter que, você mesmo, empacotar suas compras nuns saquinhos que cada vez rasgam mais facilmente.
Se é no banco, dos 12 caixas existentes, somente quatro estão funcionando. Se é numa repartição onde você procura resolver um problema, tem quatro mulheres conversando e uma diz: “Aguarde aí por favor, viu, meu senhor, que o encarregado já vem”.
Saber vender é uma arte. Quantas vezes, quando você é bem atendido, entra numa loja pra comprar um sapato e acaba levando uma calça também, graças à boa vontade e ao interesse de servir do vendedor? Quem já conheceu outras capitais sabe que Salvador é um dos piores lugares do Brasil em matéria de atendimento.
Você chega numa lanchonete e pede um sanduíche de queijo. O sujeito diz que não tem queijo, você pede de presunto e ele diz que só sai pão com ovo. Aí você se conforma com o pão com ovo mesmo e pede um suco de laranja, que não tem. Abacaxi também não, nem mamão com leite. “Só sai de melão”, diz o vendedor cujo guarda-pó não tem mais um botão.
Foi por tudo isso que fiquei surpreso ao ver uma vendedora numa loja de discos do Shopping Iguatemi. Ela dançava o tempo todo enquanto atendia às pessoas. E cantava também. Demorei alguns minutos na loja mexendo nuns discos enquanto observava aquela morena magra cujo salário não deve ser lá grande coisa, mas o prazer no trabalho morava naquela moça. Era realmente encantador vê-la ali, colocando discos ou separando fitas, sem parar de dançar e também cantando, pois a feliz rotina já lhe ensinou todas as letras das músicas.
Ela me lembrou a história que um amigo do meu pai contava antigamente. Na Cidade Baixa, no Comércio, havia sempre muita gente pra lanchar por volta das 10 horas. Numa pequena lanchonete, quatro empregados trabalhavam espremidos, mas atendiam a todos com uma presteza incrível. Sobre o balcão ficava uma caixa de sapatos para quem quisesse colocar gorjeta.
Os empregados estavam no liquidificador, cortando queijo ou pegando uma coxinha, mas sempre de olho na caixa; quando um deles via alguém depositando uma gorjeta gritava em cima: “Caixinha pingou”, e os outros três respondiam na ponta da língua: “Obrigado sinhô”. Tempos de um bom atendimento. (Crônica publicada no jornal A Tarde em 29/7/1992)
Chico Ribeiro Neto chicoribe@gmail.com nasceu em Ipiaú (BA) é jornalista profissional, começou na Tribuna da Bahia. Trabalhou na sucursal da Revista Manchete em Salvador e na sucursal do Jornal do Brasil em Porto Alegre. No jornal A Tarde foi editor de Economia, chefe de Reportagem e secretário de Redação
Opiniões e conceitos expressos nos artigos são de responsabilidade do autor
9/maio/2025