Caravana Eleitoral: A Saúde como Palanque em Camaçari
Mais uma vez, Camaçari está sendo invadida por uma caravana do governo do estado para realizar uma feira de saúde, utilizando a logomarca das Voluntárias Sociais da Bahia, mas executada pela Secretaria da Saúde do Estado-SESAB, com o nome “Saúde Mais Perto–Circuito de Saúde em Camaçari”, prometendo realizar ações de atribuição do município.
Em tempos eleitorais, o governo estadual se movimenta com uma intensidade fora do comum. Na área da saúde, quando a SESAB invade o território do município, para realizar ações que não são de sua competência, a exemplo de consultas da Atenção Básica, vai de encontro à Lei 8080/90 que estabelece as atribuições da União, Estados e Municípios, no âmbito do SUS. Esta prática não é apenas uma distorção de suas atribuições, mas também uma demonstração explícita de que interesses eleitorais estão em jogo, com o claro objetivo de angariar votos.
A SESAB deveria concentrar seus esforços em responsabilidades estratégicas, a exemplo de incentivar e promover a regionalização da saúde, evitando sofrimento e mortes de pessoas residentes municípios distantes de Salvador, em busca de tratamento. Inclusive, nos últimos dias, dois graves acidentes ocorridos na BR 324, envolvendo pessoas dos municípios de Canarana e Mutuípe, deixou 7 mortos e 20 feridos, que estariam vivos e ilesos, se a SESAB, regionalizasse a saúde, no campo da alta e média complexidade, pois essas pessoas não teriam que se deslocar para Salvador, em busca de tratamento.
Mas o que vemos é a SESAB desviar seus esforços para executar atribuições municipais, como campanhas de vacinação de rotina, mutirões de consultas básicas e outros serviços da Atenção Básica, deixando de cumprir suas próprias responsabilidades, além de perpetuar uma lógica de dependência e de fragilidade da gestão municipal, levantando sérias questões. Por que a SESAB está assumindo essas ações? E por que isso ocorre com mais frequência em anos eleitorais, em municípios que são administrados por partidos de oposição ao governo do estado, como Camaçari?
A saúde sempre foi um dos temas mais sensíveis para a população, portanto um terreno fértil para políticos que buscam popularidade. Em períodos eleitorais, as ações estaduais em áreas que não lhe cabem legalmente ganham uma roupagem de "gestão eficiente e próxima do povo", quando na realidade, muitas vezes, mascaram o verdadeiro abandono de suas funções estratégicas.
A população, desinformada sobre as atribuições de cada esfera de governo, tende a ver essas ações como uma demonstração de compromisso do estado com a saúde pública. Assim, a estratégia de realizar ações locais, com alto impacto visual e imediato, torna-se um artifício poderoso para conquistar votos, mesmo que, em última análise, essas iniciativas acabem sendo ineficientes ou superficiais.
Enquanto a SESAB investe seus recursos e energia em atribuições municipais, diversas consequências nocivas aparecem, como a longa espera por um agendamento de uma solicitação de consultas, procedimentos, cirurgias eletivas e tratamentos especializados, que esperam na Lista Única do Estado. Provoca ainda, com esta interferência, uma desorganização do sistema de saúde, gerando confusão na cabeça da população.
Outra consequência nociva, é a questão da regulação das urgências, que na Bahia é conhecida como “Fila da Morte”, que não é resolvida. Essas ações de caráter emergencial e temporário, motivadas pelo calendário eleitoral, não se sustentam ao longo do tempo. Após as eleições, a realidade se impõe e a população, que foi induzida a acreditar em melhorias substanciais, volta a enfrentar os mesmos problemas de sempre.
Para que o SUS funcione de maneira eficiente e equitativa, cada esfera de governo deve cumprir suas responsabilidades sem interferências indevidas. O estado deve concentrar-se na descentralização e regionalização da saúde, promovendo o fortalecimento da média e alta complexidade, a regulação de fluxos intermunicipais e no apoio técnico e financeiro aos municípios, garantindo que estes possam desenvolver e melhorar sua capacidade de gestão na Atenção Básica. Um exemplo da ausência da SESAB no apoio técnico e financeiro é a falta do repasse da contrapartida estadual referente ao SAMU e ao PSF, pois o último repasse recebido por Camaçari, foi o referente a competência do mês de julho do ano passado.
A prática da SESAB de realizar atribuições municipais durante períodos eleitorais, visando angariar votos, é um sintoma da politização indevida de um direito fundamental. A saúde não pode ser tratada como moeda de troca ou como um espetáculo midiático para promover candidaturas. É preciso, antes de tudo, respeitar as competências de cada ente federado e construir um sistema de saúde forte, eficiente e comprometido com as reais necessidades da população.
Luiz Duplat duplat.luiz@hotmail.com é médico obstetra, especialista em saúde da família e secretário de saúde de Camaçari
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17/09/2024