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Colunistas Diego Copque


Diego Copque é professor, historiador e pesquisador

O golpe de Estado de 1964 e seus reflexos em Camaçari (parte I) 


Para a escrita deste artigo utilizamos como fontes primárias os dossiês investigativos produzidos pelo Sistema Nacional de Informações (SNI) e outros órgãos de repressão da ditadura militar que estão custodiados no Arquivo Nacional no Rio de Janeiro. Esses documentos faziam parte de um processo que investigava as atividades políticas e sociais daqueles que eram considerados suspeitos ou subversivos pelos organismos de espionagem que atuaram de várias formas em todo o Brasil desde 1964. Por conta de este artigo estar fora do padrão que habitualmente escrevemos, optamos pela sua publicação em duas partes.


As origens do golpe No dia 31 de março de 2024 o golpe civil e militar, que instaurou o regime autoritário e repressivo no Brasil, completa 60 anos. Nosso país tem um longo histórico de golpes e até mesmo de contragolpes para se evitar a consumação de uma intervenção militar.


A Proclamação da República no Brasil é um grande exemplo de um golpe militar, segundo o advogado Aristides da Silveira Lobo, testemunha ocular da implantação do regime republicano. “O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditaram seriamente estar vendo uma parada.”


De acordo com o artigo escrito por Aristides Lobo no dia 15/11/1889, publicado no jornal do Rio de Janeiro, Diário popular em 18/11/1889, o povo que deveria protagonizar o advento da República esteve todo o tempo à margem do processo acreditando o que estava acontecendo fosse nada além de uma parada militar.


No ano de 1937, com apoio dos integralistas e dos militares, Getúlio Vargas deu um golpe de Estado, suspendeu a Constituição e colocou todos os partidos políticos na ilegalidade. Em pleno exercício da democracia. Na década de 1950, após o suicídio de Getúlio Vargas ocorrido em 24 de agosto de 1954, houve alvoroço nas grandes cidades de todo o país. A população foi às ruas e as manifestações contiveram os ímpetos dos militares do exército e da aeronáutica que estavam na iminência de tomar o poder. Só assim foi possível que o vice-presidente da República, Café Filho, assumisse a presidência e garantisse que, no ano seguinte, houvesse eleições presidenciais.


Em 3 de outubro de 1955 Juscelino Kubitschek foi eleito presidente da República e João Goulart vice-presidente. Logo após as eleições foi orquestrada uma campanha contra a posse dos presidentes eleitos e o general legalista, Henrique Teixeira Lott, fez uma intervenção no golpe militar que estava sendo tramado nas casernas e com ajuda de outros militares legalistas deu um contragolpe nos militares golpistas e assim garantiu a posse do presidente e do vice-presidente da República. Esse é um dos exemplos de um contragolpe militar que evitou a consumação de um golpe.


O Golpe de 1964 No dia 31 de março de 1964 os militares depuseram o presidente da República, João Goulart, e através de um golpe de Estado teve início a ditadura militar no Brasil. Então foi declarada a vacância da Presidência da República pelo Congresso Nacional no dia 2 de abril 1964 sendo formada uma Junta Militar determinando o exílio do presidente no dia 4 de abril. Em seu lugar assumiu provisoriamente o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, até que se realizou a eleição de um novo presidente pelo Congresso Nacional quando foi eleito o general Humberto de Alencar Castelo Branco, um dos principais líderes do golpe, tornando-se presidente da República por votação indireta.


O golpe militar tinha como principal argumento livrar o Brasil do comunismo, da corrupção e restaurar a democracia. O novo regime passou a mudar as instituições através de decretos denominados de Atos Institucionais (AIs). O Ato Institucional nº 1, conhecido como AI-1 de 9 de abril de1964, manteve a Constituição de 1946, suspendeu as imunidades parlamentares, autorizou a cassação de mandatos, suspendeu direitos políticos e criou condições para que os militares pudessem instaurar investigações denominadas de inquéritos policiais militares. Essas investigações envolviam prisões, torturas e mortes de todos aqueles que fossem considerados subversivos.


A repressão ocorreu de forma mais dura e violenta na região Nordeste do Brasil atingindo principalmente agricultores e lavradores das cidades urbanas. Houve intervenções em sindicatos e nas federações de trabalhadores com prisões de muitos dirigentes sindicais.


O regime militar na Bahia  O comandante da VI Região Militar submeteu o Estado da Bahia a um toque de recolher e as tropas do exército ocuparam diversos pontos da cidade do Salvador e também do interior. Os militares do exército prenderam prefeitos, vereadores e militantes políticos considerados de esquerda e muitos desses perderam seus mandatos e direitos civis e até mesmo militares das forças armadas tiveram suas carreiras interrompidas.


Muitos ativistas políticos, artistas, jornalistas e professores foram exilados e outros “desapareceram” e nunca foram encontrados. Nesse período foram formadas organizações de resistência política armada como a Vanguarda Armada Revolucionaria Palmares (VAR- Palmares), Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) e Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), que atuaram entre 1969 a 1971.


Os governadores dos estados passaram a ser eleitos através de eleições indiretas. Entre os anos de 1967 a 1971 Luiz Viana Filho foi governador da Bahia sendo substituído por Antonio Carlos Magalhães. A partir desse momento Antonio Carlos assume a liderança política em todo o estado e se transforma em ACM, mas seus inimigos o chamavam de Toninho Malvadeza em razão da prática peculiar de mandar bater literalmente em seus adversários. Nesse período teve início o crescimento econômico da Bahia principalmente no tocante à urbanização e à industrialização.


A ditadura em Camaçari Os reflexos da ditadura militar em Camaçari começam a aparecer ainda em 1964. Em setembro desse mesmo ano o terceiro-sargento da marinha, Manoel Cícero do Bonfim, acusou o prefeito de Camaçari, José Evaristo de Souza, e os vereadores do município de praticarem irregularidades. A denúncia do sargento Bonfim foi encaminhada para o presidente da Comissão Geral de Investigação da Marinha, o almirante Paulo Bosísio. Apesar do relato do sargento Bonfim, o prefeito cumpriu seu mandato, que foi concluído em 1967.


Antes mesmo do boom do processo de industrialização. O município de Camaçari teve sua primeira experiência com a instalação de uma unidade industrial petroquímica em seu território em 1962, através da Petrobras. O Conjunto Petroquímico da Bahia (COPEB) começou a produzir amônia e uréia em Camaçari, em 1971, no mesmo local onde outrora funcionava o aeródromo e depois a COPEB foi transformada em fábrica de fertilizantes Fafen-Ba. Com o sucesso da implantação do Centro Industrial de Aratu (CIA) em 1967 teve início em 1969 as articulações políticas para a implantação de um polo petroquímico na Bahia.


Em 1970 começaram os estudos para a implantação do polo em Camaçari. No mesmo ano o governo da Bahia decretou que a área, que seria utilizada para a implantação do polo, passasse a ser de utilidade pública para efeito de desapropriação. O Decreto de nº 22.146, de 02/11/1970, declarou de utilidade pública o território que compreendia uma área de aproximadamente 243 km² incluindo os centros urbanos de Camaçari e do distrito de Dias D’Ávila.


Em 1972 os municípios de Camaçari, Lauro de Freitas, Candeias e Simões Filho se tornaram Área de Segurança Nacional passando a ter prefeitos nomeados pelos militares. A partir de abril de 1973, após o termino do mandato do prefeito eleito José Vitorino dos Santos, teve início o mandato de Antônio Andrade da Silva, primeiro prefeito nomeado pelos militares em Camaçari. Em 16 de agosto de 1974 o segundo prefeito biônico de Camaçari, como foram denominados os prefeitos indicados pela ditadura, foi o militar da reserva, engenheiro formado em 1966 pelo Instituto Militar de Engenharia do Exército, Humberto Henrique Garcia Ellery.


Humberto Ellery foi responsável pelo plano-piloto de Camaçari, implantação do polo e dos programas habitacionais denominados de Programa Habitacional Orientado de Camaçari (PHOC), construção dos bairros denominados de Gleba, do bairro do Instituto de Orientação de Cooperativas Habitacionais da Bahia e Sergipe (INOCOOP), a ciclovia e os mutirões no bairro do Gravatá. É importante registrar que o pai de Humberto Ellery era militar do exército havendo ocupado o posto de general de brigada no início da ditadura e eleito, de forma indireta, vice-governador do Estado do Ceará cujo mandato foi de 1966 a 1971.


Quando se deu a indicação de Humberto Ellery o governador da Bahia era Antonio Carlos Magalhãese quando houve a mudança de governador ele foi reconduzido à chefia do executivo de Camaçari pelo governador Roberto Santos. Então a Câmara Municipal de Camaçari, através do Oficio de nº 004/75, enviou ao presidente da República, o general Ernesto Geisel, uma Moção de Agradecimento de nº 001/75 cuja leitura ocorreu na sessão do dia 9 de abril do referido ano na Câmara Municipal agradecendo pela permanência de Humberto Ellery à frente do executivo municipal. 


A moção foi assinada por unanimidade pelos oito vereadores de Camaçari: Deusdete Ribeiro da Silva, pai do ex-vereador Teo Ribeiro, e Amélio Batista Filho pai do deputado federal João Carlos Bacellar Batista e do secretário estadual de Turismo (SETUR), Maurício Bacellar Batista. Também assinaram a moção os vereadores, Nilza Lemos Pinheiro Lacerda, Eloildo Duarte Nazaré, Abnal da Silva Barbosa, Epitácio Mamede dos Santos, Aloísio da Conceição Benevides e José Evaristo de Souza.


O decreto, que havia tornado as terras a serem utilizadas para a implantação do polo de utilidade pública, gerou uma grande tensão social no município. Um grande número de agricultores foram desapropriados e, aproximadamente, 70 famílias não receberam a devida indenização. A situação ficou tão crítica que, depois de muitas querelas e tensões, uma pastora evangélica membro da Igreja Batista de Camaçari, chamada dona Maria das Dores Cunha, enviou uma carta ao então presidente da República, o general João Baptista Figueiredo (1979-1985), clamando por justiça e alegando que quatro pais de família haviam tirado suas próprias vidas por conta da gravidade da situação e outros haviam morrido de enfarto.


Em 1979 José Eudoro Reis Tude assume a presidência da empresa de economia mista, denominada Desenvolvimento de Camaçari S.A. (Decasa), fundada em 1977. Ele, natural de São Paulo, havia acabado de se graduar como administrador de empresas pela Universidade Católica do Salvador (UCSal) e era mais um militar da reserva na gestão do município.


Desde que teve início as primeiras obras para instalação do complexo petroquímico houve um intenso fluxo migratório para o município. A falta de infraestrutura da cidade e de um plano de acolhimento social para os migrantes que chegavam a Camaçari em busca de trabalho fomentou, antes mesmo da inauguração do polo petroquímico, problemas relacionados à falta de moradia. Essa situação resultou num movimento popular iniciadoa partir da chegada dos primeiros militantes do PC do B no município.


Camaçari era uma cidade agrária e rural apesar de sua proximidade com a capital, mas não estava previamente preparada para receber o complexo petroquímico. No processo de implantação do complexo não foi priorizado o transporte de massa, o uso adequado do solo, a preservação e valorização do patrimônio histórico, artístico e cultural além de não haver desenvolvido um programa de valorização das belezas naturais do município e seu potencial turístico.


Após a inauguração do polo petroquímico, no dia 28 de junho de 1978, houve a desmobilização da mão de obra que foi utilizada na implantação das indústrias, o que gerou um processo de demissão em massa atingindo diretamente 20 mil trabalhadores da construção civil. No início dos anos de 1980 já havia um forte movimento de desempregados em Camaçari. O complexo petroquímico gerou riquezas, empregos e melhores condições de vida para a região Nordeste, mas os melhores empregos não ficaram para os moradores de Camaçari devido à falta de qualificação técnica dos moradores.


A 2ª parte do artigo será publicada na sexta-feira (15)


Diego de Jesus Copque diegokopke@gmail.com é professor, historiador, pesquisador da história da Bahia e autor dos livros Do Joanes ao Jacuípe: uma história de muitas querelas, tensões e disputas locais e A presença do Recôncavo Norte da Bahia na consolidação da Independência do Brasil.


Opiniões e conceitos expressos nos artigos são de responsabilidade do autor

13/03/2024

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