Busca:

  Notícia
 
Poder não valoriza negros nos rituais religiosos de origem africana


Estudo do antropólogo Rosenilton da Silva mostra processo de culturalização de símbolos e rituais religiosos de origem africana

O poder público brasileiro participa de um processo de culturalização de símbolos e rituais religiosos de origem africana, sem dar a devida valorização às pessoas que os trouxeram e os produzem no País. O assunto foi uma das abordagens de uma pesquisa de antropologia, feita na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e na Ecole de Hautes Etudes en Sciences Sociales (EHESS- Paris).


Rosenilton da Silva de Oliveira, antropólogo e autor da pesquisa, cita como exemplos o samba e a capoeira que, na década de 30, foram reconhecidos e valorizados como música e esporte nacional, mas, por muito tempo, sambistas e capoeiristas sofreram discriminação e eram punidos perante a lei. Sobre as manifestações religiosas, outro exemplo mais recente foi a concessão do título de Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil aos festejos da Lavagem do Senhor do Bonfim, cortejo afro-religioso que acontece em Salvador, na Bahia, desde 1745. Na cerimônia, fieis saem da Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia, no centro da cidade, e vão até a Colina Sagrada do Bonfim, a 8 quilômetros de distância. Durante este ritual, as escadas e o átrio da igreja são lavados com água perfumada por mães-de-santo vestidas com trajes típicos de baiana.


Uma das versões da origem desta festa consta do mito de Oxalá (Deus) que, ao visitar o reino de Xangô (o rei), é confundido com um ladrão de cavalos e preso injustamente por 7 anos. Depois de muitas intempéries no reino devido ao mal-entendido, Xangô, consternado diante de tamanho equívoco, dá ordem aos seus súditos para que fossem, vestidos de branco e em silêncio, buscar água para lavar Oxalufã (o Senhor do Bonfim).


Neste caso, lembra o pesquisador, que embora a festa do Senhor do Bonfim guarde estreita ligação com o contexto afro-religioso brasileiro, em 2014, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), ao inscrever o evento como patrimônio cultural imaterial do Brasil, o faz no escopo eminentemente de “festas religiosas católicas”. “Os aspectos religiosos africanos, mesmo reconhecidos, foram descritos como sendo ‘representativas de certa brasilidade’”, afirma o antropólogo.


Confirmando essa tese sobre o apagamento das origens afro-religiosas do evento, no dia em que foi oficializada a entrega do título, em 2013, receberam agraciamentos o governador do Estado da Bahia, o prefeito municipal, o arcebispo de Salvador e o juiz da Irmandade do Nosso Senhor do Bonfim e Nossa Senhora da Guia, mas nenhuma personalidade afro-religiosa foi lembrada.


A pesquisa também buscou compreender, para além das ações dos religiosos de matrizes africanas, a participação de lideranças católicas e evangélicas na promoção de políticas públicas voltadas para a população negra no Brasil. O pesquisador partiu do princípio de que no campo religioso os símbolos da herança africana no Brasil são articulados de modos distintos devido às diferenças teológicas que orientam as ações políticas e sociais dos fiéis.


De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 64% da população professa o catolicismo. Desses, 51% se autodeclaram pretos ou pardos. Entre os evangélicos, que somam 22% dos brasileiros, 54% são negros. As religiões de matrizes africanas continuam possuindo o maior número de fiéis: cerca de 70% dos adeptos.


Na Igreja Católica, desde a década de 1970, foram os agentes de pastoral negros e, posteriormente, a Pastoral Afro-brasileira, que se incumbiram das ações de combate ao racismo e da adoção de políticas e de respeito à diversidade racial e religiosa. Concomitantemente, surgiram as primeiras experiências de incorporação de elementos das religiões afro-brasileiros às celebrações católicas, afirma o pesquisador. Por meio desses grupos, instrumentos como atabaques, indumentárias, tecidos coloridos, túnicas, danças e músicas que dialogam com o universo cultural e religioso afro foram introduzidos às liturgias das missas, batizados e casamentos. Os santos de origem africana e de pele negra também passaram a ter mais destaque da devoção dos fiéis, como foi o caso de São Benedito, de Santa Efigênia e de Nossa Senhora Aparecida.


Por sua vez, no contexto evangélico, “vimos surgir, no final do século 20, o Movimento Negro Evangélico”, reunindo fiéis de várias denominações evangélicas, sobretudo aquelas classificadas como “igrejas de missão” pelo IBGE, como batistas e metodistas. Diferentes dos católicos, os negros dessa matriz religiosa recorrem à literatura bíblica para encontrar personagens negros para destacá-los em suas liturgias. Vale ressaltar que, no caso dessas igrejas, as ações voltadas para a população negra são sobretudo em combate ao racismo e em defesa dos direitos humanos. Apesar dessas inciativas, se observa que as neopentecostais ainda são hoje consideradas como um dos maiores expoentes de intolerância contra as religiões afro-brasileiras.


O contexto religioso brasileiro é complexo e multifacetado, afirma o antropólogo. Embora a pesquisa tenha verificado que existe dentro dos movimentos negros localizados nas igrejas evangélicas e católicas divergências sobre os significados atribuídos à identidade negra e o modo de lidar com os símbolos das heranças africanas no Brasil, paralelamente, houve, neste mesmo período, ações dialógicas que caminharam no combate ao racismo e na promoção do diálogo inter-religioso, do ecumenismo e dos direitos humanos, como o Núcleo de Diálogo Candomblé-Católico-Umbanda e algumas ações do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic).


O estudo antropológico foi feito baseado em pesquisa documental, observação, coleta de depoimentos e entrevistas com pessoas de grupos afros, católicos e evangélicos. A tese A cor da fé: “identidade negra” e religião foi defendida em 2017 no Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, sob orientação do professor Vagner Gonçalves da Silva e co-orientação da professora Emmanuelle K. Tall. Atualmente Rosenilton Oliveira é professor da Faculdade de Educação (FE) da USP. Jornal da USP

Mais Notícias

Filas e poucas ficham obrigam TRE a ampliar serviço em Camaçari
Brasil fecha março com 8,6 milhões de pessoas sem ocupação
Bahia cria 12 mil dos 244 mil postos com carteira em março no país
PMs acusados de matar o garoto Joel vão a júri 13 anos depois
Coluna Camaçarico 29 de abril 2024
Anatel amplia o cerco às ligações abusivas realizadas por empresas de telesserviços
CNC apoia taxação de sites de compras internacionais como Shein e Shopee
Colunistas José Carlos Teixeira
Brasil tem recorde de conflitos pela terra com 31 mortes em 2023
Conta de luz de maio segue com bandeira verde e sem aumento


inicio   |   quem somos   |   gente   |   cordel   |   política e políticos   |   entrevista   |   eventos & agenda cultural   |   colunistas   |   fale conosco

©2024 Todos Direitos Reservados - Camaçari Agora - Desenvolvimento: EL