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Edson Miranda


Camaçari: cidade sem lei



Camaçari é uma cidade pré-iluminista. Aqui quem domina a municipalidade é vontade política dos governantes e não a Lei.


Sem querer entrar na polêmica entre Rousseau e outros iluministas, particularmente Hobbes, sobre a natureza do ser humano. Se este é naturalmente egoista, conforme Hobbes ou se, como afirma Rousseau, o ser humano é naturalmente bom, a civilização é que o condenou a todos os tipos de crimes, o fato é que, no mundo atual com toda a sua parafernália tecnológica, onde avançamos ao ponto de conformar um enorme desequilíbrio na relação entre Natureza e Cultura, fica impossível pensar o bom Convívio Social sem o cumprimento de normas estabelecidas para tal finalidade.


Pois bem, esse estado de anomia de há muito vigente em Camaçari, que significa ausência de lei ou de regra, desvio das leis naturais; anarquia, desorganização, na maioria das vezes patrocinada pela falta de legitimidade dos governantes, pois as eleições aqui são literalmente compradas, e pela falta da separação republicana dos poderes, pois aqui os vereadores também são literalmente comprados pelo chefe do Executivo de plantão, tem conduzido o município, com enorme potencial para o desenvolvimento, em todos os sentidos, para o atraso e o caos, estes também em sentido amplo.


No período eleitoral de 2016 escrevi artigo, para o site Camaçari Agora, retratando a questão da violência na cidade, onde afirmei que, nesse aspecto da violência, “Camaçari poderia, muito bem, servir de ilustração ao livro "Homo Sacer", de Agamben. Onde as noções de “vida nua, matável”, zoe grega, nessa cidade da Região Metropolitana de Salvador, ganham corporificação. Aqui tudo parece pré-Biopolítica, esplanada tão bem por Michel Foucault. Aqui tudo é zoe! A vida rebaixada à condição animal, explicada pelos gregos”.


Neste último final de semana tive a infelicidade de constatar que de lá para cá a situação só tem piorado.


Continuam as chacinas, invasões de terras, construções irregulares e um absoluto desrespeito com as leis de trânsito e do silêncio.


Quanto a esta última, shows realizados com sons potentes e em locais inapropriados, como restaurantes e pizzarias, próximos de residências, continuam a rolar até às quatro da madruga. No caso por mim verificado, tudo promovido por uma “autoridade local”, o vereador Vaninho de Monte Gordo.


Quando chega às seis da manhã, entra em cena o show das motos, devidamente adaptadas, sem os devidos tubos de descargas silenciadores, para gerar mais barulho e um “clima de festa” no distrito. Certamente, como estamos em ano eleitoral, patrocinada por alguma “autoridade municipal”.


Tudo isso indica que um dos municípios mais ricos do nosso estado ainda não organizou sua burocracia para fiscalizar tais irregularidades ou o soberano de plantão continua a trocar favores por votos, sem levar em consideração se tais favores vão prejudicar ou não o município e seus cidadãos.


Realmente é lamentável, pois toda essa bagunça e anomia acabam por afastar bons empreendedores e, no rastro destes, investidores que contribuam para um pleno e diversificado desenvolvimento para a cidade.


Só para exemplificar, no plano da Cultura, eu mesmo já cansei de propor para as áreas de Monte Gordo e Arembepe, um equipamento do tipo Casa de Cultura que reúna e organize toda a riqueza de manifestações que essas duas regiões conformam, uma espécie de complexo cultural: o Samba de Roda, a Capoeira, o Boi, a Barquinha, dentre outras tantas tradições populares.


A Casa de Cultura geraria emprego, renda, um novo viés para o desenvolvimento da Orla de Camaçari, ao tempo em que ajudaria na identificação, no resgate de tradições perdidas como o Bangariô, na pesquisa e salvaguarda de importantes bens culturais das comunidades locais.


Mas, tudo leva a crer, a Cultura é muito subversiva! Poderia ajudar a reverter essa realidade violenta, de terra sem lei, despertaria nos de baixo uma nova consciência e, consequentemente, um novo tipo de relação social e de relação com a própria natureza humana, se é que ainda exista algum resquício de natureza no ser humano, e com seu meio cultural.


São potencialidades perdidas, desprezadas. Mas, pensando bem, isto, certamente, pode não interessar aos que lucram e se beneficiam econômica e politicamente com a caótica realidade atual!


O bom mesmo para essa gente é continuar financiando exclusivamente, com dinheiro público, o chamado "pão e circo".


Felizmente, boa parte da população municipal tem procurado se organizar por fora da política partidária tradicional para dar respostas e tentar resolver seus mais graves problemas. Foi assim no último sábado, quando a população de Arembepe se manifestou em praça pública contra o fenômeno das invasões de terras, que depois, em vários casos, viram negócios de gente graúda.


Invasões muitas vezes, promovidas por governantes populistas em busca do voto fácil, irresponsável e comprado, buscando se perpetuarem no poder, a qualquer custo.


Foi assim também que percebi um outro fenômeno diferenciado, mas com enorme potência, na feira de Monte Gordo, onde, principalmente as mulheres, a despeito de toda a falta de incentivos, garantem a sobrevivência de tradições gastronômicas e de várias espécies vegetais, ao tempo em que nos faz reviver a imensa alegria da infância, saboreando a pamonha, o beiju molhado, frutas variadas: jaca, cajá, cajarana, sapoti, sapota etc.


Tais iniciativas nos trazem esperança de que a organização e o protagonismo político da população de Camaçari poderá resgatar esse verdadeiro paraíso, jogado nesse abismo e nesse caos, particularmente, pela ação deletéria da política com “p” minúsculo e de políticos ultrapassadsos e gananciosos.


Uma Política para a Pólis é o que Camaçari mais precisa nesse momento!


Edson Miranda mbedson@gmail.com é jornalista, professor universitário e escreve no blog do Miranda


 
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