A conta da derrota de Boulos chegou para Lula
O acidente doméstico que levou Lula a duas internações, a queda de sua popularidade e a volta de Donald Trump à Casa Branca também deram novo fôlego à oposição
Não existe nada mais corrosivo na política do que uma derrota eleitoral daquelas que o sujeito perde mesmo; é que, dependendo da situação, às vezes, pode perder ganhando. O raciocínio vale para as eleições da Prefeitura de São Paulo, nas quais o prefeito Ricardo Nunes (MDB), com forte apoio do governador Tarcísio de Freitas (PR), derrotou Guilherme Boulos (PSol), o candidato apoiado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Quem perdeu ganhando foi o outsider Pablo Marçal (PRTB), que se projetou nacionalmente como nova liderança da direita.
A derrota até hoje não foi digerida pelos petistas que tentaram resistir à candidatura, mas engoliram Boulos goela abaixo, porque havia um prévio acordo entre o presidente Lula e o candidato do PSol para que não disputasse a Presidência em 2022. Os gastos da campanha à prefeitura contribuíram para aumentar a frustração no PT: R$ 81.212.249,00, contando o fundo partidário.
A diferença é abissal em relação a 2020, quando o orçamento de Boulos fora de R$ 7,6 milhões. Já Nunes teve R$ 51.528.765,84 para gastar. Em 2020, a campanha de Bruno Covas custara R$ 19,4 milhões, a mais cara da época (Nunes era o vice e assumiu a prefeitura com a morte do jovem líder tucano). Como Boulos conseguiu 2.323.901 votos, gastou R$ 34,9 por eleitor. Sufragado por 3.393.110 eleitores, cada voto de Nunes custou R$ 15,1.
Essa contabilidade, porém, não alcança a verdadeira dimensão da derrota de Lula em São Paulo. Grande eleitor de Nunes, Tarcísio de Freitas, ainda no primeiro mandato, saiu fortalecido e se tornou a grande esfinge das eleições de 2026. O falecido governador fluminense Leonel Brizola diria que “já costeia o alambrado”. Tanto que Tarcísio foi a estrela do jantar com a bancada paulista oferecido pelo deputado federal Hugo Motta (Republicanos-PB), na segunda-feira, numa pizzaria de Higienópolis, na capital paulista. Motta será o novo presidente da Câmara.
Organizado pelo presidente do Republicanos, deputado Marcos Pereira (SP), o jantar reuniu o prefeito Ricardo Nunes; o atual presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL); os ministros Silvio Costa Filho (Portos e Aeroportos) e Márcio França (Empreendedorismo, Microempresa e Empresa de Pequeno Porte), além de mais sete presidentes de partidos: Gilberto Kassab (PSD), Marcos Pereira (Republicanos), Baleia Rossi (MDB), Ciro Nogueira (PP), Antônio Rueda (União Brasil), Renata Abreu (Podemos), Paulinho da Força (Solidariedade) e Valdemar Costa Neto (PL). A bancada paulista compareceu em peso, com representantes do PT ao PL.
Motta destacou o fato de os presidentes do PL, Valdemar Costa Neto, e do PT paulista, Kiko Celeguim, estarem lado a lado, um exemplo de que é possível “encontrar convergência na nossa divergência”. Último a falar, Tarcísio roubou a cena e fez um discurso repleto de elogios ao atual presidente da Câmara, Arthur Lira, cujo futuro político ainda é uma incógnita. Entretanto, o cardápio da noite não foi margherita nem calabresa, foi a pizza da pesquisa Genial/Quaest divulgada naquela segunda-feira, que mostra o presidente Lula com a popularidade em baixa.
Reforma ministerial Até recentemente, o presidente do PSD, Gilberto Kassab, avaliava que o presidente Lula seria imbatível em 2026, caso dispute a reeleição, e que o governador Tarcísio de Freitas será candidato à reeleição. Com um pé na Esplanada dos Ministérios e o outro no Palácio dos Bandeirantes, esse seria o melhor cenário para o ex-prefeito paulistano, que conduz seu partido de forma ambígua e pragmática. Entretanto, é cada vez maior a pressão da elite paulista para que Tarcísio seja candidato à Presidência em 2026.
O acidente doméstico que levou Lula a duas internações, a queda de sua popularidade e a volta de Donald Trump à Casa Branca deram novo fôlego à oposição. Políticos paulistas acreditam que Tarcísio seria o único nome capaz de manter a aliança do centro com a direita e remover a candidatura de Eduardo Bolsonaro. A fórmula seria Nunes disputar o Palácio dos Bandeirantes e entregar a prefeitura para o vice, o coronel reformado da PM Ricardo Mello de Araujo, ex-comandante da Rota e bolsonarista raiz. Se fosse o caso, Michelle Bolsonaro seria vice de Tarcísio. Entretanto, o ex-presidente Jair Bolsonaro já não confia tanto em Tarcísio.
Kassab esconde o jogo e trabalha para ampliar ainda mais a influência de seu partido. Negocia uma fusão com o PSDB, com apoio dos governadores Eduardo Leite (RS), Raquel Lyra (PE) e Eduardo Riedel (MS). Com Ratinho Júnior (Paraná) e Fábio Mitidieri (SE), o PSD passaria a ter cinco governadores e poderia se tornar uma alternativa para o centro no primeiro turno, com dois nomes dispostos a disputar a Presidência, Leite e Ratinho, caso Lula se candidate à reeleição e Tarcísio à reeleição. O ex-presidente Bolsonaro está inelegível.
Esse cenário atrapalha muito os planos de Lula na reforma ministerial. Sua ideia original era organizar um governo de coalizão de centro-esquerda, comprometido eleitoralmente com sua reeleição. Para isso, gostaria de contar com Kassab, Baleia e Pereira na reforma ministerial, os presidentes dos partidos que pretende atrair para sua reeleição. Entretanto, o encontro da pizzaria mostrou que o aliado principal dos caciques do PSD, MDB e Republicanos é Tarcísio de Freitas. Os três mosqueteiros são paulistas.
Luiz Carlos Azedo é jornalista, analista político. Texto publicado no Correio Braziliense
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29/01/2025