45 personagens em busca de um autor
Às vezes crio um personagem e guardo. Quando vou busca-lo, ele já sumiu.
Difícil criar personagem. Eles criam vida própria, nos abandonam e saem por aí fazendo um bocado de besteira. Poucos retornam ao autor.
Conviver com eles é difícil. Se picam na hora em que você mais precisa deles, e o pior: você esquece o nome deles.
Personagem é igual a gente. Chega e some de repente. Tem hora que tem que segurá-lo pela orelha e dizer: “Você vai ficar é aí mesmo!”
Personagem pode surgir de uma frase no muro, pode ser uma vizinha ou um velho que passou na esquina. Personagem é tudo que rima.
Queria conviver com meus personagens, mas eles entram nas páginas e somem.
Tem personagem que chega perto, pisca o olho e desaparece. Outros ficam escondidos nas gavetas durante anos e há aqueles que fazem o maior espalhafato pra aparecer na história. Chegam até “plantar bananeira” (“olha eu aqui!”), mas não agradam ao autor.
Bicho difícil é personagem. Às vezes ele tem um pedaço de uma pessoa e um pedaço de outra.
Difícil é matar um personagem. Você afunda ele no lago escuro à meia-noite e ele reaparece na próxima história. Personagem não morre, sobrevive nas páginas. Ele é amigo do Zé, dá quatro cambalhotas e cai em pé.
Personagem lhe persegue no sonho, na igreja e no bar. Quando você menos espera, recebe o tapinha nas costas: “E aí, velho, que dia vou entrar no seu livro?”
Lembro a famosa peça “Seis Personagens à Procura de um Autor”, do dramaturgo italiano Luigi Pirandello, de 1921, onde um ensaio é invadido por seis personagens, rejeitados por seu criador, que tentam convencer o diretor da companhia a encenar suas vidas.
Não confie muito em personagem. Ele pode lhe dar uma porretada na cabeça e assumir a história sozinho, ao modo dele.
Tem ator de teatro que incorpora tanto o personagem que leva meses para se livrar dele.
Olga Maimone era uma atriz do Teatro Vila Velha que na década de 60 morava no próprio teatro e durante o dia lia cartas para os interessados em conhecer o futuro. Figura carismática, ela foi assim definida por João Augusto, diretor do Vila Velha: “Olga não é gente, Olga é personagem”.
Viva o personagem, essa alma em figura de gente!
Chico Ribeiro Neto chicoribe@gmail.com nasceu em Ipiaú (BA) é jornalista profissional, começou na Tribuna da Bahia. Trabalhou na sucursal da Revista Manchete em Salvador e na sucursal do Jornal do Brasil em Porto Alegre. No jornal A Tarde foi editor de Economia, chefe de Reportagem e secretário de Redação
Opiniões e conceitos expressos nos artigos são de responsabilidade do autor
28/01/2025