Busca:

  Notícia
 
Colunistas Diego Copque


Diego Copque é professor, historiador e pesquisador

O projeto de criação do município Aratu e a perda da história e identidade do Recôncavo Norte


Este artigo traz à tona a história da proposta de criação do município de Aratu pelo então governador do Estado da Bahia, Antonio Carlos Peixoto de Magalhães (ACM), proposição essa inserida no contexto da ditadura militar e no processo moderno de industrialização na Bahia.


Esse movimento foi impulsionado pela Petrobras em parceria com a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), uma autarquia criada em 1959 que tinha como principal objetivo reduzir as desigualdades entre as regiões geoeconômicas do Brasil.


O Centro Industrial de Aratu (CIA) foi criado como uma autarquia pública em 1966, mas entrou efetivamente em operação em 1967, na gestão do então governador Antônio Lomanto Júnior.


O CIA é um complexo industrial multissetorial localizado no Recôncavo da Bahia e sua sede administrativa foi inaugurada em 1969, no antigo distrito de Salvador, outrora denominado de Cotegipe, posteriormente batizado de Água Comprida, e desde 1961 emancipado politicamente como município de Simões Filho.


As indústrias que fazem parte do complexo estão estabelecidas nos municípios de Simões Filho e Candeias, que também foi distrito de Salvador, o CIA encontra-se entre o Complexo Petroquímico de Camaçari (COPEC) e o Porto de Aratu, que está localizado em Candeias, onde foi estabelecido, na década de 1940, o primeiro campo comercial de petróleo do Brasil e logo depois foi construída a primeira refinaria de petróleo do país, a Refinaria Landulpho Alves em Mataripe, em São Francisco do Conde.


Para a instalação do CIA foram concedidos inúmeros benefícios por parte do governo do estado. Os terrenos foram vendidos a preços módicos e o estado forneceu toda infraestrutura necessária como energia elétrica, rede de esgotos, sistema viário interno e externo, construção do Porto de Aratu e fornecimento de água com a construção das barragens das Cobras, Guipe, Ipitanga e Rio Joanes, através da Superintendência de Água e Esgoto do Recôncavo (SAER).


Nesse momento, por ocasião da elaboração do Plano Diretor do CIA, teve início as primeiras discussões relacionadas à construção de uma ponte ligando Salvador a Itaparica, mas, no início da década de 1970, o projeto da ponte foi substituído pelo sistema ferry-boat.


Manifestações culturais esfaceladas O Recôncavo da Bahia foi a primeira área de ocupação da velha Kirimurê pelos povos indígenas e com a invasão dos portugueses e a transmigração compulsória dos africanos o recôncavo se tornou o berço da brasilidade e da baianidade. As manifestações culturais da Cidade do Salvador se originaram no recôncavo.


O arquiteto e professor Antônio Heliodorio Lima Sampaio, em seu livro Formas urbanas: cidade real e cidade ideal, registra as características básicas da proposta de criação do CIA destacando que o plano urbano-industrial era de escala regional e tinha como premissa de desenvolvimento o modelo de cidade-industrial linear erguida no entorno da Baía de Todos-os-Santos tendo a Cidade do Salvador como cabeça desse sistema.


Nesse novo entendimento estava prevista a criação de outras cidades industriais satélites na região da Grande Salvador e a Soterópolis como capital se tornaria, como se tornou, uma área exclusivamente reservada para a preservação do patrimônio histórico, paisagístico, artístico e cultural, e que se deveria promover, com toda ênfase, um fomento do turismo em Salvador.


Diante desses fatos podemos entender quais foram as razões do esfacelamento da história e cultura dos municípios do Recôncavo Norte, a exemplo muito especificamente de Simões Filho, Lauro de Freitas e Camaçari. Embora o projeto desenvolvimentista de industrialização tivesse a perspectiva de combater a estagnação econômica que o Recôncavo da Bahia atravessava, por um longo período, não se pensou na preservação de suas identidades históricas e geográficas. 


Centro Industrial de Aratu e o Copec  O Centro Industrial de Aratu (CIA) e o Complexo Petroquímico de Camaçari (COPEC) são dois complexos industriais situados no Recôncavo Norte que estão assentados na tradicional área canavieira do recôncavo, território outrora ocupado pelos engenhos de cana-de-açúcar, pecuária, produção de lenha e carvão.


No período das lutas pela Independência do Brasil na Bahia, onde está sediado o CIA, foi instalado um quartel-general das tropas baianas no antigo Engenho Novo Cotegipe, que ficava às margens da Estrada das Boiadas. Esse engenho era vizinho dos engenhos Bonfim e Água Comprida; esse último posteriormente emprestou seu nome para a localidade antes de ser transformado em município de Simões Filho. Os três engenhos pertenciam ao negociante e latifundiário português Luís da Costa Guimarães, sobrinho e único herdeiro do capitão também lusitano João Francisco da Costa.


João Francisco da Costa foi um dos maiores latifundiários dessa região e suas principais terras tiveram início nas imediações de Santo Antônio do Rio das Pedras, hoje bairro de Valéria em Salvador, que se estendiam até a Baía de Aratu, outrora denominada de Rio Cotegipe, que é uma baía dentro da Baía de Todos-os-Santos.


Essas terras alcançavam o território de Camaçari onde operava o Engenho Olhos D’Água cujo proprietário também era Luís da Costa Guimarães e onde atualmente está situado o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento (CEPED), o Campus XIX – UNEB - Camaçari e todo o complexo petroquímico de Camaçari.


Nesse território existiam mais 11 fazendas de sua propriedade sendo as principais: Bandeira, Buris, Gravatá, Camassary e Capuame, nas terras da antiga Fazenda Capuame foi instalado o Complexo Ford Nordeste e que, brevemente, passará a sediara BYD Brasil. 


Entraves  No dia 4 de maio de 1972, cinco anos após sua inauguração, o CIA estava consolidado, mas apresentava inúmeras deficiências que se tornava um entrave para atração de novos investimentos e a chegada de novas indústrias para a região.


Nesse contexto o governador do estado, Antonio Carlos Magalhães, enviou ao presidente da República, general Emílio Garrastazu Médici, uma proposição para a criação do município de Aratu e que o município já fosse criado como Área de Segurança Nacional.


Em suas alegações, dentre outros argumentos, ACM declarou que a execução de programas sob a responsabilidade do CIA estava sofrendo fortes restrições em virtude de seu âmbito geográfico abranger parte substancial dos municípios de Salvador, Lauro de Freitas, Candeias e Simões Filho, sendo que nessas distintas esferas de interesse o CIA tinha uma possibilidade muito grande de crescimento econômico com forte tendência de ter que expandir sua área territorial.


Ele acrescentou que havia uma complexidade em relação aos aspectos físicos, econômicos sociais, urbanísticos e ambientais de cada município que se complicava pelo fato de que cada um tinha sua própria política administrativa tornando a política de gestão da área territorial do CIA e de seus limites geográficos indefinidos pela perda de unidade administrativa a partir do próprio desenvolvimento industrial e urbano de seu território.


Alternativas Com base em estudos solicitados pelo governador foram formuladas quatro alternativas que, segundo os estudiosos, três das quatro opções não eram exequíveis em um curto prazo de tempo.


A primeira seria: institucionalização da área metropolitana; a segunda: Constituição do município de Aratu; a terceira: reanexação da área do CIA a Salvador; e a quarta: criação do município de Aratu como Área de Segurança Nacional, transformando todo o território sob sua influência, ou seja, os municípios de Lauro de Freitas, Simões Filho e Candeias seriamuma só unidade administrativa, desaparecendo os municípios de Lauro de Freitas, Simões Filho e Candeias. Nesse caso as áreas remanescentes de Candeias seriam incorporadas por São Francisco do Conde e as áreas de Lauro de Freitas por Salvador.


Projeto Aratu O município de Aratu teria uma área de, aproximadamente, 500 quilômetros quadrados, uma população de 95 mil moradores, aproximadamente 30 mil eleitores e uma receita tributária superior a dez milhões de cruzeiros, à época um valor equivalente a 3% da receita do estado.


A fixação do limite do município de Aratu com Salvador deveria ser um quilometro da margem direita da foz do Rio Joanes em razão da necessidade de evitar contiguidade entre os municípios de Salvador e Camaçari para que não retirasse o município de Camaçari da área de prioridade da SUDENE onde estava sendo implantado o Complexo Petroquímico de Camaçari (COPEC).


A conformação territorial do município de Aratu com Camaçari seria na confluência do Rio Imbirussu com o Joanes descendo do leito do Joanes até a sua foz. Atualmente, somando a área territorial que possui os três municípios, teríamos aproximadamente, 524,02 quilômetros quadrados de extensão.


O governo federal se manifestou declarando que a criação de um novo município deveria obedecer aos critérios técnicos da Lei Complementar nº 1, de 9 de janeiro de 1967, e do Ato Complementar de nº 46, sendo a matéria de competência exclusiva do estado e sobre o município de Aratu torna-se uma área de interesse para a segurança nacional, pois assim que o município legalmente existisse o governo federal cogitaria essa possibilidade.


Em 22 de junho de 1972 foi promulgado pelo governo federal o Decreto-lei de nº 1.225/1972 que incluiu os municípios de Candeias, Simões Filho, Lauro de Freitas e Camaçari em Área de Segurança Nacional.


Através da Lei Complementar de nº 14, de 8 de junho de 1973,o governo federal estabeleceu as regiões metropolitanas de São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Curitiba, Belém, Fortaleza e Salvador.


A Região Metropolitana do Salvador foi constituída pelos municípios de Salvador, Camaçari, Candeias, Itaparica, Lauro de Freitas, São Francisco do Conde, Simões Filho e Vera Cruz, a sua concepção consolidou o processo de descaracterização da identidade geográfica, histórica e cultural dos municípios do Recôncavo Norte da Bahia e inviabilizou os planos de criação do município de Aratu do governador Antônio Carlos Magalhães.


Considerações O projeto de sepultamento da história das cidades industrializadas do Recôncavo da Bahia foi gestado sob o governo dos militares depois do golpe de 1964. O que não conseguimos entender é qual será a razão das autoridades locais, especificamente no caso do município de Camaçari, manter esse modelo de gestão.


Creio que, depois de termos conquistado a passagem do Fogo Simbólico do Dois de Julho para o Recôncavo Norte, temos respaldo para solicitar ao próximo gestor público de Camaçari que reverta essa lógica não permitindo o apagamento de nossa história, memória, cultura e identidade.


Diego de Jesus Copque  diegokopke@gmail.com é professor, historiador, pesquisador da história da Bahia e autor dos livros Do Joanes ao Jacuípe: uma história de muitas querelas, tensões e disputas locais e A presença do Recôncavo Norte da Bahia na consolidação da Independência do Brasil.


Opiniões e conceitos expressos nos artigos são de responsabilidade do autor

28/03/2024

Mais Notícias

Jovens brasileiros dizem que deixariam o país por vida melhor
Empresários falam em desemprego sem a lei que prorroga a desoneração da folha de pagamento
Senado confronta STF para manter valendo a lei da desoneração
Colunistas Diego Copque
MP terá poder para abrir e conduzir investigações criminais
Estátua de Daniel Alves será retirada de praça de Juazeiro
Coronel critica Lula por suspender desoneração com ação no STF
Colunistas Adelmo Borges
Câmara de Camaçari aumenta de 21 para 23 vereadores
Reforma tributária beneficia 18 profissões com redução de imposto


inicio   |   quem somos   |   gente   |   cordel   |   política e políticos   |   entrevista   |   eventos & agenda cultural   |   colunistas   |   fale conosco

©2024 Todos Direitos Reservados - Camaçari Agora - Desenvolvimento: EL