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Edson Miranda


O XXI, um século ainda por construir



A casa toda se encolhia embaixo de um cobertor nos dias de chuva e trovoada. Minha mãe temia religiosamente tais fenômenos da natureza. Nos dizia que era Deus anunciando sua força e seu poder aos homens e que, estes se bem soubessem e fossem tementes, obedeceriam com recato e orações a tais desígnios do sagrado.


Enquanto ela cobria espelhos, desligava alguns poucos aparelhos elétricos e buscava um cantinho bem protegido para rezar, nós, seus filhos, corríamos para o refúgio dos cobertores onde, quase sempre, rolava uma algazarra, evidentemente, depois da passagem do “perigo”.


Com os meus filhos, Alice e Davi, atualmente, faço o contrário: escancaro a cortina e passamos a observar o espetáculo de luzes e sons que a natureza nos proporciona.


Foi exatamente o que fizemos nesse domingo, 12/04, deitamos na cama de casal, conversamos sobre as causas desses fenômenos e aguardamos atentos cada desenho de luz entre os prédios e pelos decibéis, se muitos ou poucos, que nos chegam depois desse primeiro trajeto de um único evento natural.


Cada desenho novo e cada pipocar de tambores naturais são aguardados com um pequeno pico de ansiedade, pois, cada sucessão, quando bem vivenciada e experienciada, se torna única, arrebatadora e surpreendente para as crianças.


Acordamos na segunda-feira ainda com trovoadas, mas, já não temos a escuridão da noite a servir de pano de fundo para visualização do espetáculo.


Aos poucos trovoada e chuva desaparecem, permanecendo apenas um céu cinza cansado e um dia, também,  completamente cinza e inerte.


Essa composição matinal, acompanhada dos isolamentos humanos e das ações completamente desencontradas dos chamados “líderes mundiais”, uma verdadeira Babel, para usarmos uma imagem bíblica, nos passa à sensação de que, de fato, o Planeta Terra caminha sozinho, sem dirigirmos, ao seu Bel Prazer.


Olhando pela janela chegamos à conclusão de que, nessa manhã, somente as andorinhas sabem de fato o que querem


Elas começam voando num quase zig zag frenético, parecem que vão se chocar umas contras as outras. Voltam, às vezes, por cima da trajetória anterior, ganham velocidade; encolhem às asas para próximo do corpo, como se fossem um “W” e dão um impulso vertical de subida.


Incrivelmente, nesses momentos, impõem uma velocidade bem maior do que a anterior, alcançando, assim, grandes alturas, muito acima do topo dos edifícios.


Não são movimentos atabalhoados. São várias as velocidades, pois em alguns instantes, elas planam observando o território. Em outros, onde não existe mais a velocidade, elas pousam para contemplar e agir, em busca de água, comida ou proteção.


Percebo que nessa programação, nesse software natural das andorinhas, como de outros animais, evidentemente, continua forte o propósito da existência, da vida.


Rousseau afirmava que a nossa distinção em relação aos outros animais encontrava-se na Liberdade que temos face ao software natural que também carregamos ou, claro, carregávamos.


Parece que reprogramamos todo o software e esquecemos de manter, mesmo que artificial, o gene com o propósito da nossa existência.


Nós, diferentemente do Planeta e dos demais animais, parece que somos os únicos que caminhávamos sem um sentido para nossas vidas.


JORNALISMO E EXPERIÊNCIA


Tento perceber mais um pouco esse mundo que se insinua e emerge para nós. Agora, de forma mais cristalina, devido à pandemia e o isolamento social.


Uma outra força irresistível, mais intensa que à da experiência anterior, me puxa para um outro cômodo do apartamento.


Assisto o noticiário. Vejo Maju Coutinho anunciar os últimos números de doentes e mortos pela COVID-19.


Um rito que se repete diariamente e muitas vezes ao dia, em todos os grandes veículos.


Percebo também que, agora, diferente dos dias anteriores à pandemia, as imagens marcantes da televisão ganham mais tempo, como imagens do cinema.


Invariavelmente, sinto que esse desfile de imagens, que precisam da nossa Psique para sua impressão definitiva, conformam essa triste e longa procissão fúnebre, que evitávamos olhar.


Mesmo as imagens onde aparecem pessoas vivas e aglomeradas em filas e afazeres, essa impressão funesta não desaparece, pois são mostradas apenas como se condenadas já às fossem.


Sou jornalista, conheço essa lógica da notícia, já atuei no combate a epidemias, tentando mitigar o impacto da venda dessa mercadoria na saúde psicológica das pessoas, principalmente, naquelas que não desenvolveram nenhum mecanismo crítico de defesa.


Para mim, isso tudo significa que o jornalismo, ainda agora 2020, apesar dos seus aparatos tecnológicos, também chegou atrasado.


Significa também que, pelo menos em eventos desse tipo, o Jornalismo, depois dessa pandemia, assim como outros agentes, vai precisar se preparar e até se reinventar, dada sua grande importância política e social.


Walter Benjamin, pensador alemão do início do século XX, escreve que o Periodismo é o grande dispositivo para a destruição generalizada da experiência.


A experiência precisa de silêncio, memória, interrogações, contemplação, tudo que o periodismo nos subtrai.


Seu sujeito não é o indivíduo arrogante, cheio de verdades absolutas que a notícia, ao nos oferecer um grande leque de informações e argumentos para opinião, de alguma forma, também faz brotar em cada um de nós.


EXISTÊNCIA


Interpretando o que para Heidegger é “fazer uma experiência”, Jorge Larrosa Bondía, professor da Universidade de Barcelona, nos afirma que o sujeito da experiência em Heidegger é um indivíduo apaixonado, alcançado, tombado, derrubado.


Não um sujeito que permanece sempre em pé, seguro de si mesmo.


Não é um sujeito que alcança aquilo que se propõe ou que se apodera daquilo que quer. Não é um sujeito definido por seus sucessos ou por seus poderes, mas um sujeito que perde seus poderes precisamente porque aquilo de que faz experiência dele se apodera.


Em contrapartida, o sujeito da experiência é também um sujeito sofredor, padecente, receptivo, aceitante, interpelado, submetido.


Seu contrário, o sujeito incapaz de experiência, seria um sujeito firme, forte, impávido, inatingível, erguido, anestesiado, apático, autodeterminado, definido por seu saber, por seu poder e por sua vontade.


Em síntese, um completo alienado e insensível! Um ser que pode até deter o saber das coisas, mas desconhece completamente o saber da experiência, que se dá na relação entre o conhecimento e a vida humana.


Nas palavras de Larrosa, Uma vez vencido e abandonado o saber da experiência e uma vez separado o conhecimento da existência humana, temos uma situação paradoxal.


Uma enorme inflação de conhecimentos objetivos, uma enorme abundância de artefatos técnicos e uma enorme pobreza dessas formas de conhecimento que atuavam na vida humana, nela inserindo-se e transformando-a.


De repente, como agora, temos muito conhecimento científico técnico acumulado, o que é muito importante, vale frisar, mas temos enormes dificuldades de colocá-los em ação.


Fomos surpreendidos, mesmo com todos os nossos conhecimentos acumulados.


Talvez, se soubéssemos ainda mediar esses conhecimentos com a vida humana, não estivéssemos em situação tão aterradora.


Mesmo agora, quando em hipótese, precisaríamos, dentro de nossas casas, de mais tempo de silêncio, meditação e de auto-reflexão, para compreender e dar sentido ao que nos acontece, ao que acontece com o mundo, somos bombardeados o tempo todo com live disso, live daquilo.


Um dia é live de Pagode, no outro MPB, Clássico, Sertanejo; cursos diversos; notícias; intervenções no Whatsapp, Face, Twitter, TV, sites etc, etc, etc.


Há uma compreensão já naturalizada de que, sem o preenchimento total do nosso tempo e de nossas vidas, não conseguiríamos mais existir, viver.


E, de fato, é verdade, sem esses dispositivos e repertórios, muita gente no mundo atual entraria logo em desespero.


Por isso, acho importante o oferecimento de tais repertórios, afinal de contas, não saímos de algo que nos envenena de uma hora para outra, sob o risco de sucumbirmos mais rapidamente.


Apenas, afirmo a importância de começarmos urgente um aprendizado, um saber selecionar, para no meio de muita coisa boa, descartarmos o lixo, que também nos chega e que contamina a nossa existência.


Nesse sentido, é também Larrosa quem afirma que “a vida se fez pobre e necessitada, e o conhecimento moderno já não é o saber ativo que alimentava, iluminava e guiava a existência dos homens, mas algo que flutua no ar, estéril e desligado dessa vida em que já não pode encarnar-se.


Algo importante aqui a ser também salientado é que esse sujeito da experiência como sujeito passional, não significa pensá-lo, seria um grave erro, como incapaz de conhecimento, de compromisso ou ação.


O sujeito passional tem também sua própria força, e essa força se expressa produtivamente em forma de saber e de práxis.


Na verdade, se trata de um saber, como afirmei acima, relacional entre conhecimento e vida. Um saber distinto do saber científico e do saber da informação, e de uma práxis também distinta daquela da técnica e do trabalho.


Por isso, nesse mundo ainda configurado com esse saber das coisas, principalmente pela forma periodismo, nos sentimos muito mal quando não estamos devidamente informados.


E agora, com o reforço das redes sociais de comunicação, nos sentimos, também, muito mal quando não opinamos.


Mesmo que nossas opiniões nas redes venham, normalmente, desprovidas de complexidade, mesmo que se reduzam, na maioria das ocasiões, em estarmos a favor ou contra.


Nossos nervos, agora só vibram é com a algaravia dos comentários e respostas simples e rápidas. Aquelas mais lacradoras que, assim, precedem, aniquilam e excluem a questão, verdadeiramente, posta.


Por eles já não passam nenhum sentido mais primordial, pois o acontecimento no formato notícia nos é repassado sob a forma de sucessivos estímulos fugazes e efêmeros, na forma da vivência instantânea, pontual e fragmentada, por isso, impossível de reter memórias.


A mídia sabe como suprir nosso vício, como manter eternamente a nossa dependência!


Ela opera a partir dos porões, das profundezas da nossa Psique.


No fundo, ela alimenta essa nossa estrutura mental atávica, tão bem definida na observação de Milan Kundera, “o homem deseja um mundo onde o bem e o mal sejam nitidamente discerníveis, pois existe nele a vontade inata e indomável de julgar antes de compreender”.


E, por sobre essa vontade, segundo ele, estão fundadas as religiões e ideologias.


TRIPLA ENCRUZILHADA


É desse velho mundo que a pandemia nos convoca a escapar.


Assim, ela também nos mostra, já em ato, a emergência de um novo mundo, de riscos, surpresas inconcebíveis e incertezas, muito distinto do atual, onde achávamos que tudo poderíamos deter e controlar.


E, em potência, dependente da nossa ação, um terceiro mundo, também de incertezas e riscos, porém, com grandes possibilidades de realização humana.


Um mundo melhor para o Planeta e para os seres vivos!


O líder indígena Ailton Krenak nos presenteou recentemente com o seu livro “ideias para adiar o fim do mundo”. Eu penso exatamente como devemos nos preparar, o que devemos fazer, para escapar do fim desse mundo. O que vem a dar quase no mesmo em relação às ideias de Ailton.


Acredito que podemos, que ainda temos tempo, apesar das ameaças climáticas, da possibilidade de guerras nucleares, de novas pandemias virais, agilizar à morte desse mundo, enquanto agilizamos também à emergência do outro que ainda se encontra em potência.


Não é uma tarefa simples e de curto prazo. Não é como jogar fora a água do banho com a criança dentro da bacia.


Muitos avanços precisam ser aproveitados. Não podemos retroceder ao Marco Zero.


Não se resolve decretando, de cima para baixo, de maneira vanguardista, o fim disso ou daquilo, como tenho visto em muitas opiniões por aí.


Não é também uma tarefa hercúlea ou impossível, depende, inicialmente, da mudança que vamos empreender em cada um de nós.


Depende também de agirmos, agirmos e agirmos!


HISTÓRIA E INTERCONECTIVIDADE


Num mundo interconectado como o nosso, cada pequena ação individual sofre um conjunto gigantesco de interações. Não foi assim com o coronavírus?


Um único ser humano, do outro lado do planeta, contraiu o vírus e, em poucos meses, nos afetou a todos, afetou o mundo e a humanidade.


Descobrimos, por exemplo, que estamos dentro da História e que ela não se parece mais com um trem de aventureiros, nem muito menos com “ uma carroça abandonada numa beira de estrada ou numa estação inglória”.


Ela não se parece  com um “carro alegre, cheio de um povo contente”


Pode até atropelar indiferente todo aquele que a negue, como afirmavam Chico Buarque e Pablo Milanês, na Canción po la Unidad de Latino América.


Nesse momento, ela mais parece “impessoal, ingovernável, incalculável, incompreensível – e ninguém lhe escapa”, como nos diz Milan Kundera.


A História mostrou que não está do lado de ninguém. No máximo, a crise do coronavírus lançou na História, também, uma estrela, um clarão de luz, para quem “souber enxergar” e quiser andar por um novo caminho iluminado por ela.


Isso depende do que fizermos, para isso precisamos, acima de tudo, agir.


Somos levados a achar que lidamos com forças contrárias tão gigantescas que não faz sentido agirmos.


Agora também ficou mais claro, para todos nós, que é exatamente o contrário.


Começamos a perceber que pequenas mudanças podem ter um impacto em nosso futuro e de nossos filhos e netos.


E é por isso que todos nós devemos nos envolver.


Tudo leva a crer que “estamos apenas no começo de uma crise profunda que exigirá mudanças radicais”.


Há mais de uma década o autor do livro “A Era do Inconcebível”, Joshua Cooper Ramo, sobre o qual escrevi um artigo anterior, já afirmava nossa ilusão em relação ao mundo e ao futuro: “ em nossos carros e em nossas casas confortáveis, em nossas nações com ares de riqueza e em nossos negócios que passam uma sensação de segurança, não podemos nos iludir quanto à realidade: agora estamos dentro da história”.


ANTIPOLÍTICA


Joshua cita o físico Niels Bohr que já perto do final da vida afirmava: “todo ser humano valioso deve ser um radical, aquele que busca a raiz, e um rebelde, pois o que ele deve visar é tornar as coisas melhores do que são”.


Segundo Ramos, conformar-se com ideias velhas é letal; o que mudará o planeta é a rebelião.


Na condução dessa crise ficou claro também, particularmente no nosso Brasil, que as pessoas e instituições em que confiávamos para nos socorrer são incapazes de fazê-lo.


Tenho insistido na tese de que no campo político, que é o campo fundamental para nos conduzir com algum grau de certezas num mundo de riscos e incertezas, estamos, há tempos, trilhando o caminho da tragédia.


Temos insistido na glorificação religiosa de falsos líderes incompetentes, corruptos e populistas e no que é bem pior, na lógica da concentração do Poder, cada vez maior, nas mãos dos políticos.


Esse tem sido o caminho da nossa maior tragédia, da mãe de todas as outras que assistimos em profusão no Brasil.


Vivemos numa era onde para melhor enfrentarmos suas grandes crises, seus perigos imprevisíveis, o que mais precisamos é da desconcentração do Poder.


Estamos vendo como pessoas de forma voluntária, sem nenhum poder ou condições materiais, se organizam para socorrer, levar apoio e solidariedade para outras pessoas pobres e miseráveis nas grandes franjas, favelas e periferias do nosso país, onde o Estado sequer tem dados, números, informações básicas.


Historicamente, essa nunca foi uma prioridade para o Estado brasileiro, marcado pela concentração de poder e privilégios


Pessoas historicamente jogadas, abandonadas à própria sorte!


São essas pessoas, atualmente, sem poder, sem dinheiro, mas com grande capacidade para agir com sentimento de solidariedade e compaixão que a sociedade brasileira, daqui para frente, deve hipotecar algum poder num novo sistema político que precisamos criar.


Pessoas que agem com criatividade, eficiência e eficácia, pois estão desprovidas do velho cálculo político eleitoral de velhos partidos, velhas associações, velhas igrejas, velhos sindicatos e velhacas “lideranças”que só prestam para bajular velhos poderosos e vender, iludir, as comunidades a que pertencem.


São com essas pessoas-lideranças que vamos mais contar daqui para frente. Elas serão a linha de frente de um novo “sistema de segurança profundo” que urge ser inventado, nos moldes do sistema imunológico dos humanos.


E, por quê elas? Porque se mobilizam rápido, conhecem as pessoas, o território, suas geografias, suas melhores formas de comunicação, se antecipam, na presença de um inimigo ou de um grande mal.


Não podemos continuar apostando ou confiando que velhos políticos, velhos governos desarticulados, incompetentes, corruptos, vão abdicar da sua ânsia por concentrar mais poder, vão aprender com o que estamos passando e vão se preparar e preparar o povo para enfrentar os novos perigos que virão.


Não podemos confiar que agora os governos e os Estados vão realizar o que muitos estudiosos da sociedade já vêm afirmando há muito tempo, a exemplo de Mangabeira Unger que na sua empreitada quase solitária no Brasil, há décadas já afirmava que “a tarefa da imaginação consiste em realizar o trabalho da crise sem a crise”.


São os que não possuem as amarras da politicagem quem  melhor pode imaginar e fazer.


Necessitamos  nos organizar de uma maneira mais inovadora e criativa para melhor controlar o Estado, para que ele não continue favorecendo poucos em detrimento de muitos.


Apenas com nosso envolvimento, engajamento mesmo, realizaremos a grande reforma que o Brasil tanto necessita, a Reforma Política.


Nela, a sociedade por inteiro, sem os grilhões da política rasteira, depois de um diálogo profundo e democrático, é quem deve confirmar qual o sistema político que melhor deva vigorar no nosso país.


Qual o seu tamanho, se somente com uma casa ou duas, com que quantidade de parlamentares, o papel e o poder de cada um e de todos em conjunto


Também, qual a natureza, a forma de funcionamento, o tamanho e quais aperfeiçoamentos podemos criar nos poderes da República e nas suas demais instituições, para que melhor conduzam, juntos com a sociedade civil, os destinos da nossa nação e do nosso povo em tempos tão incertos e difíceis.


Esse é o desafio básico e primeiro. O desafio dos desafios. O que antecede. É o alicerce do que queremos construir!


Estamos vendo com essa crise atual, a importância de se criar, com a inclusão dessas pessoas que voluntariamente agora se mobilizam, uma extensa Economia do Cuidado no nosso país.


Ela, além da primordialidade para a vida, também pode se configurar num importante e fundamental polo de desenvolvimento e de geração de emprego e renda na pós-crise.


Saúde, educação, segurança, segurança alimentar, assistência social, um grande campo de desenvolvimento, produção de conhecimento, de tecnologias, para que, num prazo não muito longo, pois agora compreendemos bem melhor sua urgência, possamos colocar o Brasil num outro patamar civilizatório.


Um campo multidisciplinar, intersetorial, baseado em fatos, pesquisas, evidências científicas, desprovido de achismos, meras intuições, interesses políticos ou cálculos eleitorais.


COMUNICAÇÃO DIFERENCIADA


Precisamos, agora mais do que nunca, do distanciamento em relação aos polos políticos configurados na sociedade brasileira, do que pode nos marcar como os homens marcam seu gado, esquerda, direita, centrão, do oba oba irracional e inconsequente, que a ANTIPOLÍTICA, vigente no Brasil, nos jogou.


Virou uma questão de sobrevivência e de inteligência! Adquirir novas habilidades e competências para um “marshup” político e cultural.


Saindo dessa briga irracional de torcidas e da inconsequente glorificação de falsas lideranças e de instituições partidárias e oficiais, que ainda operam na lógica obscurantista do passado, podemos operar o resgate da Política e da Democracia no nosso país.


Podemos criativamente elaborar novos pactos sociais e políticos, podemos por exemplo retirar do limbo da disputa política e ideológica em que se encontra, da politicagem, do campo das ações de ódio, uma ação tão fundamental como é a Reforma Agrária para o Brasil.


Ela também tem seus fundamentos que ainda a consagram como um dos elementos importantes para a paz social, saúde e segurança alimentar do nosso povo.


Acredito muito mais nesse caminho e que só a sociedade brasileira, com seu maior envolvimento,  tem condições de redirecionar o país.


Tirá-lo da descaminho da tragédia que irracionalmente percorre.


Negando a atual antipolítica em voga, resgatando e afirmando a Política e a Democracia mais direta, aquela que ausculta mais constantemente e encaminha as razões da sociedade, como mediadoras do bem comum, como elementos centrais e fundantes da República e de uma verdadeira Nação Brasileira.


Quando atuei na área de saúde, 2008/2009, no combate às epidemias de H1N1, de Dengue, o setor de Saúde, praticamente, trabalhava isolado das demais pastas de governo.


Na época, já  implorávamos  por reuniões e programas intersetoriais.


Via deputados de oposição apostando na crítica desproporcional e no quanto pior melhor.


Acompanhava desesperado o gosto quase sádico da imprensa sensacionalista divulgando mais os números de mortos do que o que efetivamente estava sendo feito para conter e debelar o problema.


Assim, ajudavam a criar pânico sem, entretanto, também alimentar um fio de esperança na população.


Creio que muito pouco mudou de lá para cá!


A partir dessa experiência de trabalho, comecei a formular muitas das ideias que ainda defendo atualmente.


A exemplo de como podemos construir pactos políticos entre situacionistas e opositores para retirarmos o setor de Saúde do cálculo meramente eleitoral, da disputa e da crítica política mordaz.


Como podemos melhor utilizar toda a dinheirama que gastamos com a publicidade institucional. Deixando de realizar vultosas campanhas para informar sobre obras e enaltecer o que é obrigação de quem governa.


Em plena epidemia da Dengue, eu vi publicidade de campanha da Embasa com um tanque de água verdadeiro em cima da placa de Outdoor na rua.


Convenhamos, um luxo, algo no mínimo esnobe, um desperdício. Considerando que a doença mais se prolifera, exatamente, nas comunidades aonde a água e o saneamento da Embasa deveriam chegar e não chegavam.


Sempre defendi, sempre fui vencido, que deveríamos colocar apenas uma placa na frente de cada obra pública, com os seguintes dizeres: “aqui tem dinheiro seu. Fiscalize”.


Logo abaixo, o endereço de um site de transparência, onde em tempo real, estariam detalhadas todas as despesas, importância da obra e respectivos comprovantes de pagamentos.


O dinheiro da propaganda deveria servir para produção de peças que ajudassem na formação, na educação cidadã e no preparo do nosso povo para aprender a viver respeitando o outro, fortalecendo boas práticas de vida e convivência, para melhor enfrentar crises coletivas e desafios individuais e familiares vindouros.


Dessa forma, poderíamos até fazer investimentos maiores na produção e na divulgação dessa Comunicação diferenciada.


Acredito que, dessa maneira, estaríamos fortalecendo mais a Democracia, pois a manutenção dos veículos de comunicação são fundamentais para tanto.


Trabalharíamos, assim,  num modelo de viés pedagógico constante, mais sistemático  e mais adequado ao aprimoramento da nossa sociedade.


Uma outra proposta que sempre defendi foi a criação de um grande Museu Nacional da Saúde, temos museus para tudo, mas nunca ouvi falar num museu da Saúde.


Um Museu vivo, interativo, que de forma criativa e flexível, alcançasse  todo o território nacional, com larga produção de conhecimento e distribuição de campanhas, além de larga visitação, principalmente de estudantes crianças e jovens.


Também, evidentemente, conectado, com aquele Campo de desenvolvimento, com aquela “Economia do Cuidado”,  já citada, para formação de profissionais da Saúde.


Agora, mais do que nunca, continuo defendendo e sou entusiasta desse tipo de investimento. Eles serão a base da sociedade que agora precisamos para enfrentar, não é nem no futuro, mas já no presente, pois o futuro já bateu nas nossas portas.


MUDANÇA. QUAL?


Acredito que podemos avançar primeiro com as mudanças em cada um de nós, o que vai a seguir, serve como simples exemplos, desprovidos de algum fundamento ou interesse maior.


Mas, se deixamos de comer carne de animal ou se diminuirmos a quantidade desse tipo de proteína na nossa alimentação, estaremos operando importantes mudanças.


Se deixamos de consumir produtos de empresas que ajudam, com suas práticas de produção, a deteriorar ainda mais o nosso clima, estamos operando também mudanças significativas.


Caso também, tenhamos mais responsabilidade por acompanhar o destino final de alguns lixos, tipo plásticos, pilhas etc., depois da nossa porta de casa, estaremos pondo grandes mudanças em ação.


Mudanças que vão se concretizar de maneira criativa, inovadora e eficiente. Sem balas, gritos, queima de pneus ou combustíveis fósseis em intermináveis carreatas.


São só alguns exemplos, existem outros intermináveis.


Isto significa que a Revolução está também em você, em mim, em todos nós.


Outro dado importante para a nossa ação é que ela sim, por menor que seja, pode operar grandes mudanças. Isto agora ficou mais evidente.


Ficou evidente também, e é um elemento determinante da mudança, um fato que o sociólogo Immanuel Wallerstein já afirmou há muito tempo e agora também ficou mais claro para todos nós: “o que fazemos aos outros, fazemos a nós próprios”.


Isso é tão verdadeiro tanto para o bem quanto para o mal. E essa constatação deva nos empurrar, a princípio, para uma constituição mais empática, solidária e, consequentemente, mais revolucionária do nosso ser e da nossa existência.


Digo “a princípio”e não “em princípio”, pois, andei refletindo sobre um poema que andou circulando por esses tempos de pandemia. Antonio Fagundes até divulgou um post seu recitando-o.


Trata-se do poema “Curar”, de Kathleen O’Meara, escrito em 1839.


Na última parte do seu poema, Kethleen relata o seguinte.


E na ausência de gente que vivia


De maneiras ignorantes


Perigosos, perigosos


Sem sentido e sem coração,


Até a terra começou a curar


E quando o perigo acabou


E as pessoas se encontraram


Eles ficaram tristes pelos mortos


E fizeram novas escolhas


E sonharam com novas visões


E criaram novas maneiras de viver


E curaram completamente  a terra


Assim como eles estavam curados 


Fiz questão de grifar os dois últimos versos para mostrar que as pessoas, de fato, realizaram mudanças, mas, de alguma forma não foram suficientes e nem tiveram a permanência para que se efetivassem.


Tudo indica que em algum momento, tudo voltou à velha “normalidade”, pois de 1839 até os nossos dias as pessoas continuaram guerreando, morrendo muito mais por pandemias e o planeta também piorou e muito suas condições climáticas.


Tudo isso,  leva a crer que temos grandes desafios pela frente. Significa que a primeira pergunta a nos fazer é, como afirma Ramo, “o que esta era exige de mim?


Significa afirmar a cada novo amanhecer: eu assumi mudar! Se possível expressar isso em camisas, botons etc. que ajudem a contaminar outros adeptos dessa mudança individual.


Finalmente significa acreditar, de forma otimista, mas sem um otimismo pueril que, diferentemente do mundo de 1839, agora, em 2020, o poder de cada um de nós nunca foi tão grande.


PALAVRA/AÇÃO COMUNI-CRIATIVA


Esse poder começa com a nossa capacidade de comunicação atual, com a nossa capacidade de aspergir as palavras mais corretas para configurarmos esse novo mundo que se nos apresenta em potência.


Acredito até que devemos separar nas nossas cabeças dois vasos mentais para armazenarmos nossos repertórios de palavras.


Um vaso que nos ajuda a construir esse novo mundo, com palavras de amor, solidariedade, cooperação, empatia, resiliência, coragem e as palavras certas da rebeldia.


E, um outro, onde devemos guardar bem guardadas as palavras do ódio, do ressentimento, todas aquelas que levam a não cooperação, ao conflito, ao desespero e à guerra, consequentemente, ao retrocesso, apesar de acharmos que, assim, estamos caminhando para frente, para o progresso.


Uma amiga minha psicóloga, certa vez, me vendo numa peleja por direitos que eu considerava legítimos, logo após eu descer do carro de som, ela me disse.


— Edson, você poderia ter dito tudo que você falou, tudo o que você queria afirmar, mas com outras palavras. Você xingou, acusou sem provas, fugiu da questão central, fez o diabo (rsrsrs).


Passei a estudar, refletir e, então, percebi que as palavras têm força, sim. Têm poder. Que “fazemos coisas com as palavras e que as palavras fazem coisas conosco”.


Como diz Larrosa, as palavras determinam nosso pensamento porque não pensamos com pensamentos, mas com palavras, não pensamos a partir de uma suposta genialidade ou inteligência, mas a partir de nossas palavras.


E pensar é, antes de raciocinar, calcular ou argumentar, como nos tem sido ensinado, algumas vezes, sobretudo, dar sentido ao que somos e ao que nos acontece, afirma ele.


ESPÍRITO DO XXI


Por fim, não queremos nem podemos permitir que as mesmas pessoas que nos levaram a esse descompasso desastroso com o mundo nos empurrem para um perigo ainda maior.


Mas, mudar a situação atual exige de nós, realmente, ação e melhores escolhas, tanto na política, a quem repassamos o nosso poder, quanto nas nossas vida.


Exige uma uma ação comuni-criativa com palavras que também possuam uma força desbravadora e criativa.


Logo, nossa persistência no caminho da mudança, nossa determinação para a construção do “espírito do nosso tempo”.


O Século XXI nos convoca a construí-lo, a construir seu espírito com o que temos de melhor, como os modernos com sua arte e suas invenções construíram o Século XX.


Edson Miranda mbedson@gmail.com é jornalista, professor universitário e escreve no blog do Miranda


Opiniões e conceitos expressos nos artigos são de responsabilidade do autor


 
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