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Edson Miranda


O Encarceramento da vida na hipocrisia da política eleitoral



Parte 2


Atualmente, a maioria das ações de governos é definida pelo cálculo eleitoral. É ele quem determina a alocação de recursos financeiros dos orçamentos públicos; a definição dessa ou daquela política pública; a exagerada segmentação do orçamento, consequentemente das ações dos serviços públicos, através de emendas parlamentares; a restauração de uma igreja católica e não a restauração de um terreiro de candomblé; a construção de um hospital ou uma escola pública em uma determinada cidade de uma região e não numa outra etc. etc. etc.


Para a concretização de quase tudo que um simples cidadão necessite, hoje em dia passa pelo aval e pelo pedido de um político, seja ele prefeito, governador, senador, deputado ou um simples vereador de uma cidadezinha do interior do país.


De maneira, evidentemente, não absoluta, mas, diria, ainda substantiva, a figura do político e o consequente cálculo eleitoral passaram a ter poder de vida e de morte sobre a maioria da população. Eles interferem em todas as esferas da vida de um cidadão contribuinte: desde uma simples regulação hospitalar, passando por uma vaga de emprego e até um diligente inquérito policial.


Quase nada escapa à tal lógica. Nossas vidas estão aí forçosamente encarceradas. Não é à toa que, mesmo depois de todos os escândalos de corrupção e de todas as tragédias do nosso dia-a-dia, as estruturas públicas brasileiras (governos, empresas estatais, serviços públicos etc.) continuam capturadas e sob o controle dos políticos e de seus partidos.


Tudo isso virou um “negócio da China”. Por isso mesmo verificamos esse assombro de hereditariedade na política partidária: sai avô, entra pai; sai pai, entra neto… sem falar na atração de toda a sorte de picaretas para esse “ramo de negócios” no Brasil.


Por tudo isso, tenho defendido uma profunda mudança do sistema político partidário para tentarmos restabelecer, minimamente, a confiança no processo de representação política, sem a qual os eleitores não têm a menor certeza do que os políticos farão com o seu pequeno naco de poder (o voto) que transferem para eles nas eleições.


Como já venho afirmando, a regra é que usam esse nosso poder, transferido para eles, em benefício próprio, de amigos, familiares e agrupamentos políticos partidários.


Já fiz questão também de afirmar que existem excessões, porém as excessões não são suficientes para reformar o sistema de dentro para fora. Somente a sociedade organizada para tal finalidade vai poder fazê-lo. É isso que a experiência brasileira tem nos mostrado.


Entrando numa questão, agora, mais de fundo, como afirmei que iria fazer na primeira parte deste artigo, acredito que um dos grandes pilares dos problemas atuais dos partidos, das mais diversas matizes, direita, centro e esquerda, resida no instrumental de conhecimentos históricos e na leitura da própria História, uma espécie de modelo padrão cognitivo, a que correntes de pensamento que habitam os partidos vêm fazendo uso para balizar sua intervenção na cena política.


Evidentemente, estão de fora dessa análise os partidos que são criados com o único e predeterminado propósito negocial, as famosas siglas de aluguel.


Um outro pilar, acredito, tem a ver com a grande revolução da Comunicação nas últimas décadas e com suas principais consequências, principalmente o fenômeno das redes digitais de comunicacão e, na sua esteira, um outro fenômeno mais atual, nomeado pelos ingleses de Pós-verdade.


Pretendo desenvolver esse pilar da comunicação nesse texto e deixar para desenvolver mais o outro pilar da História e dos conhecimentos históricos numa terceira parte deste artigo.


Antes, porém, cabe observar que a história da humanidade está repleta por momentos onde floresceram esperanças exageradas, protagonizados pelos pensamentos das mais diversas cores, à Direita e à Esquerda, fruto da manipulação das massas, resultado da ideia de que “os fatos têm menos significância ou influência do que apelos à emoção e a crenças pessoais” das mesmas.


Nosso maior problema é que agora, diante da verdadeira revolução que vivenciamos nas Comunicações, o fenômeno da Pós-verdade atinge o seu paroxismo.


E se, por ora, nos assustamos com a quantidade de imposturas que circulam nas Redes de Comunicação e achamos que o problema só tende a piorar e a degradar ainda mais o ambiente das relações humanas, quero afirmar que sou um otimista.


Nesse sentido, prevejo, não é profecia é predição, que nas próprias Redes já se encontram os germes, da ideia de germinação, para a solução do problema da Pós-verdade e da “conviviabilidade” humana.


A ideia de que um problema não surge sem que as bases para a sua solução já estejam presentes na história, mesmo que em formas germinativas, tem a ver com o pensamento de Marx.


A ideia de “conviviabilidade” tem a ver com as predições de Ivan Illich, um pensador austríaco, que na década de 1970, quando a Internet começava a dar seus primeiros passos, já formulava ideias sobre a importância de se articular redes que pudessem dar conta dos problemas da Educação, pois, segundo ele, as escolas se restringiam a um tipo de ensino construcionista para o mercado, e dos problemas ocasionados por um outro fenômeno, diagnosticado por Illich, da “Degradação Psíquica” da humanidade.


Este último, uma espécie de mal-estar psíquico que acompanha o progresso do bem-estar material. Ainda hoje invisível à consciência política, conforme nos alertou Edgard Morin.


Por isso mesmo, por ainda se situar na vida privada, é tratado apenas pela medicina, normalmente, “com soníferos, antidepressivos, psicoterapias, psicanáilses, gurus, mas nem sempre percebido como um efeito da civilização”.


Ufa! Pensar é trabalho duro mesmo! Voltemos ao problema das imposturas partidárias e ao fenômeno da Pós-verdade.


Que o Fascismo e o pensamento de Direita queiram, ainda hoje, continuar manipulando as emoções das massas, em detrimento dos fatos, pode ser até compreensível. Porém, juro que me incomoda bastante ver um pensamento que prega a emancipação do espírito e da dignidade humana insistir em continuar, na atualidade, nessa mesma toada histórica.


Importante aqui afirmar que não guardo mais as mesmas noções idílicas de Direita e Esquerda que alimentei no passado. Existe um elemento psicológico/antropológico que não entrava nas minhas análises pretéritas. Não posso deixar de ressaltar.


Mas, juro que dói ver a Esquerda, mais uma vez abandonar o pensamento crítico, e embarcar nessa Nau de tantos fracassos históricos, nesse palco fantasmagórico de imposturas.


Dói, como dói, ver a “carta ao povo brasileiro”, o que por si só já é uma grande impostura, elevada ao enésimo grau, ao ser ilustrada, representada, (re) apresentada na atual Propaganda Eleitoral com imagens e sons que servem unicamente para manipular essas caras emoções do nosso povo, com um claro e descarado propósito de ganhar as eleições.


Quanto culto à personalidade! Quantos mitos! Quanto miticismo oportunista!


Me pergunto: será que vale a pena? E o depois, como será? Como saíremos desse fosso psíquico que esse tipo de manipulação emocional nos impõe? Que espécie de povo e de indivíduo querem forjar para as lutas que virão? Quantos Adélios pretendem ainda recrutar ao invés de formar indíviduos, o que, diga-se de passagem, sempre foi o objetivo supremo da Política?


Querem formar os autômatos norte coreanos que não têm como reagir a um possível abismo nuclear no qual seu Comandante em Chefe ameaça jogá-los?


Ou robôs soviéticos que até bem pouco tempo, antes da queda do muro, desconheciam até o significado da palavra Greve?


Talvez queiram formar os bandos de miseráveis venezuelanos, criados por um socialismo místico, que cabem como uma luva numa atualização da obra memorável de um Victor Hugo ou um Dostoiévski, os quais desesperadamente abandonam a promessa do paraíso e, ato contínuo, são convocados por seu Comandante em Chefe para que voltem e deixem de “lavar latrinas” nos países que, bem ou mal, lhes acolhem.


Será que algum povo ou indivíduo no planeta conseguirá algum dia se emancipar culturalmente com estafetas desse kilate?


Por favor, os que desejam responder, me respondam sem fanatismos!


Pois bem! Vamos tentando encurtar, pois já está mais longo do que imaginei.


Como afirma Maurizio Ferraris, pensador italiano, desconstruir continua sendo sagrado, haja vista que na natureza não existem príncipes, patrões ou anjos do lar.


Entretanto, isso não significa que tudo seja socialmente construído e que a verdade seja um mal.


Se a Modernidade nos legou o axioma “contra fatos, não há argumentos”, a Pós-modernidade usou e abusou indiscriminadamente da máxima de que “não há fatos, apenas interpretações”.


Reside na força simbólica desse último período histórico um acúmulo significativo que nos conduziu até essa espécie de deslegitimação da verdade e da realidade.


O Pós-moderno, assim, parece ter sido conduzido para uma “curva entrópica” que o levou a dar adeus à verdade e declarar guerra à realidade.


Para Ferraris, a obsessão Pós-moderna para a disputa do Poder e de que não existe verdade, apenas conflito, interesse, prevalência do mais forte e, segundo a qual, interpretar significa essencialmente ir à guerra ou no mínimo entrar em campo, termina por plasmar esse atual “espírito do tempo”, extremamente marcado pelo antirrealismo.


Acredito que já reunimos as condições para promover o que chamo de “virada ontológica”. Um novo conjunto de crenças, porque na verdade é disso que estamos tratando e é isso que historicamente tem movido a humanidade, capaz de criar uma nova Intersubjetividade, onde possamos superar as predições, feitas no passado, já datadas, a partir de uma ampla compreensão e, principalmente, enterrar de vez as profecias políticas que já não se sustentam diante da mais simples exegese contemporânea.


Finalmente, advogo que o pensamento de Esquerda para sobreviver à lata de lixo da História e ao reacionarismo político ideológico deva urgentemente resgatar os argumentos da crítica.


Mesmo reconhecendo que uma parte importante do mundo, a esfera social, não pode se dar sem a interpretação. Como afirma Ferraris, essa interpretação pode, muito bem, ser investigação da Verdade e não, simplesmente, imaginação do poder.


Na hendíade atualmente utilizada pela “Esquerda brasileira”, onde numa alquimia vertiginosa se busca fundir elementos da imaginação com elementos do poder, o problema talvez não seja a imaginação, mas o poder.


A tendência é o fundo do mar, onde, ao fim e ao cabo, estão e estarão todos os projetos de poder da humanidade!


Desculpem o alongamento, como já disse, acho importante nesse momento. Me comprometo com uma Parte 3 menor. E olhe que não é promessa de político (rsrsrs). Abraços.


Edson Miranda mbedson@gmail.com é jornalista, professor universitário e escreve no blog do Miranda


 


 
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