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Edson Miranda


Vale: ‘um campo de concentração’



Aviso aos navegantes: não é um texto curtinho, arrumadinho, com início, meio e fim, fácil de comer, digerir e esquecer, como (con) sagra a norma midiática.


É a profanação dessa estética! Da maneira que a vida está caminhando, creio que daqui a pouco tempo, até o ENEM tende a aceitar novos formatos redacionais.


É um texto para quem tem fome de conhecer. Inicial, propedêutico, visando posteriores investidas do leitor, num curto-circuito permanente.


É para ser ruminado!


Não busca narrar uma verdade dada de antemão, visa confrontar “verdades” vinda de gêneros literários diferentes: da cultura popular ao conhecimento acadêmico.


O ideal é que fosse mais coletivo, escrito por três ou quatro pessoas no mesmo instante.


Busca construir novos atalhos, picadas, numa tentativa de melhor aproximação da realidade e de uma verdadeira Democracia Cognitiva.


Por isso, suas idas e vindas, seu caráter experimental, quase barroco (risos)!


Mas, me diga caro leitor, por que devemos continuar textualmente enquadradinhos na nossa infinita vocação de nos conhecer, principalmente nessa quadra histórica em que o mundo parece ter resolvido enlouquecer a ele e a todos nós?


Boa leitura!


Na “Inutilidade do Voto”, artigo que escrevi durante o processo eleitoral de 2018, expresso o desprezo que, atualmente, muitos nutrem por essa política que aí está e pelos políticos brasileiros que a exercitam, particularmente por seu pedaço mais medonho: a política eleitoral e seus podres e lucrativos arranjos.


Nada de bom, transformador ou humano devemos esperar dela. Trata-se de um cadáver que devemos sepultar rápido, antes que produza mais e mais tragédias.


Acredito que o grande exemplo vem da turma que agora adentrou ao poder: caso estivessem totalmente limpinhos e fora do sistema, já seria muito difícil concretizar as promessas de enterrar o velho regime político, imaginem agora com os imensos rabos que estão aparecendo.


A tendência principal será, mais uma vez, esconder os rabos embaixo das bundas.


Em breve, a principal palavra de ordem será negociar a sobrevivência dos “novos velhos” ou será dos “velhos novos” políticos com os do Ancien Régime.


Uma grande pitada de realidade já apareceu nesse último final de semana, nas novas eleições das mesas diretoras da Câmara dos Deputados e do Senado.


Rolou de tudo! Só não rolou valores (não estou falando dos monetários).


O bem comum passou muito longe, no máximo, um minuto de silêncio para as vítimas de Brumadinho.


Rolou muita hipocrisia, muita Cosa Nostra!


Depois do que presenciamos e do que já sabemos, fica evidente, a importância de pautarmos o debate sobre se, de fato, o Brasil ainda precisa de um Senado.


É muito luxo político institucional. Muita riqueza dragada para o bolso de poucos, num país de tantos necessitados.


Como já afirmei: será mais uma grande frustração apostar numa possibilidade de mudanças substantivas por dentro do atual sistema político.


Como diz a filósofa popular Bernardina Borges: “quem tem rabo-de-palha não toca fogo na estrada”.


Por isso, acredito, se faz urgente a ação de uma Nova Política, estruturada por muitos que já perceberam o valor e a força existente também nessa “Potência do Não”.


Esses devem passar à ação, antes que uma “racionalidade louca”, onde os sentimentos e as emoções abandonam a mediação e até o controle saudável da razão (veja que faço questão de inverter a equação estabelecida na Modernidade), típica de um povo cansado de ser massacrado, desesperançado com tudo e com todos, resolva tocar fogo nessa estrada e, consequentemente, no seu próprio rabo e no rabo dos de cima.


Como já venho destacando em outros textos, seguimos em marcha insana e acelerada para uma sucessão de tragédias. Agora foi Brumadinho, novas virão, pois elas são consequências de ações engendradas durante anos, como fios que vão sendo tecidos, pela ganância estúpida e descontrolada, pela burocratização da vida, pela corrupção do homem público (seja ele político, empresário, líder sindical etc) e ainda pela covardia de muitos, este um traço cultural que sempre se destaca nos mais diversos períodos evolutivos da humanidade.


Essas tragédias encontram agora, no caso brasileiro, seu pico de maturação, momento onde determinadas ações humanas sucessivas, tomadas muitas vezes em tempos e espaços diferenciados, se entrelaçam, se conformam e se desfecham de fato como um fenômeno trágico.


A política atual e os políticos continuam insensíveis para tais fenômenos que martirizam a maioria do nosso povo. Nada têm a dizer, nada têm a fazer, pois são seus principais tecelões.


Continuam priorizando as velhas disputas de interesses e intrigas palacianas, o velho jogo do poder.


Continuam se organizando politicamente, empresarialmente ou socialmente, com o firme propósito de avançar por sobre fatias significativas das nossas riquezas naturais e do orçamento público.


Curto-circuito


Aqui cabe uma digressão, um curto-circuito com uma outra forma de conhecimento. Esse comportamento, atual, nada difere do comportamento primitivo, onde tribos se organizavam para facilitar a caça de enormes mamutes, abatendo-os e, dessa maneira, certamente, satisfazendo apenas a fome dos seus, deixando membros de outros clãs a “ver navios”.


O fato de nossa espécie continuar preservada no planeta, nos leva a crer que, lá atrás, algo muito tenebroso levou nossos ancestrais a refletirem sobre o “Tempo de Murici”, então vigente.


Começaram a repartir melhor o alimento!


Historicamente, avançamos muito na construção do sentimento de solidariedade com os da nossa espécie. Mas, na Era Moderna, Hermann Broch já detectara, na sua trilogia “Os sonâmbulos” uma espécie de dormência, segundo sua obra, fruto da degradação de valores, no citadino homo sapiens.


No campo filosófico, Edmund Hussel e outros pensadores europeus, na senda aberta por ele, em 1935, já escreviam sobre uma “profunda crise da humanidade”, cujas raízes se localizavam no início dos tais tempos modernos.


Milan Kundera, autor de A Insustentável Leveza do Ser, resume assim as preocupações de Hussel: “As ciências reduziram o mundo a um simples objeto de exploração técnica e matemática, e, assim, excluíram de seu horizonte o mundo concreto da vida, o die Lebenswelt”.


Segundo ainda Kundera, elevado outrora por Descartes a ‘senhor e dono da natureza’, o homem se torna uma simples coisa para as forças (da técnica, da política, da História) que o ultrapassam, o sobrepassam, o possuem.


“Para tais forças, seu ser concreto, seu “mundo da vida” não tem mais nenhum preço nem interesse: está eclipsado, esquecido de antemão”.


Acredito que esse sonambulismo ainda perdura nessa era digital, talvez até se potencialize, fruto dessa nossa crise geral de referências e da nova natureza adquirida pela sociedade produtora de mercadorias.


Nela, esse soçobramento do homem e “o esquecimento do ser”, termo usado por Heidegger, discípulo de Hussel, atinge potência assustadora.


Assim, continuamos vítimas da falta de concretização, da incipiência, de um “novo sistema de valores” que nos auxilie enfrentar, navegar, nas águas turvas de um mundo que morre e um outro que, indubitavelmente, emerge.


Nesse sentido, se repararmos bem, guardadas às devidas proporções e comparações, esse “Capitalismo de Araque” brasileiro, o que só faz piorar o quadro nacional, seu aparato técnico-científico, distanciado do “mundo da vida”, “esquecido do ser”, tem conseguido recriar um ambiente análogo e, potencialmente, muito mais perigoso do que o mundo dos nossos ancestrais e um ser humano com muito menos coragem, astúcias e destrezas para enfrentar tais perigos.


Avançamos destruindo a Natureza como nunca aconteceu e, agora também, alguns sapiens espertos e articulados avançam mais eficazmente por sobre o nosso mamute cultural: o erário público construído com o sacrifício de muitos.


Não acredito que no transcorrer do processo civilizatório, esse despertar, essa capacidade de sair de outros sonambulismos, de lembrar e refletir sobre o passado, de pensar de maneira empática, tenha ocorrido por obra de algum poderoso chefe tribal, rei ou imperador.


Certamente, partiu da luta pela sobrevivência de sapiens sujeitados e/ou do sofrimento imposto pelas bruscas mudanças naturais.


Creio que, na atualidade, juntamos conhecimento e consciência do mundo suficiente para não ter que esperar mudanças impostas pela dor e pelo sofrimento.


Basta-nos organizar melhor esse conhecimento e essa consciência.


A rede comunicacional que temos, nos possibilita essa nova existência!


Dessa maneira, urge aos despossuídos, de poderes constituídos, procurarem novos formatos de luta social e política para se constituírem sujeitos de novas transformações.


Chega! precisamos perceber que muito barro já foi amassado para os faraós da política.


Voltemos ao texto e ao nosso cotidiano.


Percebo ainda que, os mais diversos setores da sociedade, dentre tantos, a mídia merece destaque, por sinal, também envolvida com tais jogos de interesse e de poder, optam por pautar e debater as irrelevâncias que circundam esses velhos e recorrentes problemas.


Promovem uma gigantesca “espiral do silêncio”, deliberadamente ou não, pois jornalistas também são vítimas do reducionismo pelo qual passa o mundo na atualidade, são vítimas da natureza do campo do jornalismo, dos limites para produção da notícia, do deadline etc.


Tudo isso termina por fazer escapar do enquadramento na matéria o que de fato é relevante para o Brasil e para o seu povo no momento atual.


Apostam, numa espécie de estratégia de ocultação e diversionismo no velho “jornalismo declaratório”, inclusive de quem, no caso de tais tragédias, nada tem de novo e especial a declarar: nas tais velhacas “autoridades” da política e do mundo empresarial.


As redes sociais, expressão maior desse mundo de irrelevâncias e reducionismos no qual nos tornamos, chafurdam no mesmo discurso de ódio, na fanática disputa ideológica, cada lado apontando culpas apenas no outro.


Revelam, com isso, o suprassumo dessa condição inata do ser humano de julgar muito antes de compreender o fenômeno. Na nossa situação atual, não diria nem julgar o fenômeno, muitas vezes nos matamos por notícias ou interpretações que não são reais, são fakes.


Dessa maneira, como primado, precisamos, antes, nos informar sobre a natureza da notícia ou do post, saber se é falso ou não, para, só então, nos debruçarmos sobre o julgamento e a compreensão do mesmo.


No caso da tragédia de Brumadinho, até a Publicidade foi chamada às pressas para tentar recuperar o “filme queimado” da Vale, como se a curto e médio prazo essa mágica fosse possível.


Soube pelos jornais que Nizan Guanaes havia sido contratado pela mineradora. A se confirmar tal notícia, creio que mesmo na condição de empresário, ele deva um esclarecimento público de qual papel pretende desempenhar na parceria.


Mas, não tenho ilusões quanto ao seu papel empresarial, nesse campo financeiro ele tem o direito de fazer suas opções, mesmo que eticamente o público considere reprováveis.


Agora no papel de escritor, colunista de vários veículos, atividade na qual nos brinda com brilhantes textos, joga nosso astral lá para cima com seu otimismo radiante, aguça nossa imaginação e nosso entusiasmo. Ah! Nesse caso, ele precisa informar, no mínimo para o seu leitor, se pretende trabalhar com o tradicional cosmético da publicidade institucional.


Se pretende jogar a lama para debaixo do tapete, aprofundar nosso sonambulismo, para em breve esquecermos a tragédia e voltarmos a vibrar com as imagens de crianças rolando na relva, famílias inteiras passeando com seus cachorrinhos num final de tarde, em plena luz amarela, por entre árvores floridas e frondosas.


Ai! Nesse dia então, (re) adormecidos, anestesiados, voltaremos a nos orgulhar desse gigante brasileiro do capitalismo ético e sustentável, protetor do nosso povo e da nossa cultura.


Por tudo isso, estou cada dia mais cético em relação às literaturas produzidas pelos veículos de comunicação e pela filosofia política. Através delas, está cada vez mais difícil perceber pistas, perscrutar verdades mais aproximativas, buscar novos sentidos. Enfim, trilhar um caminho epistemológico menos contaminado. Porém não abandono-as.


Assim, minha disposição atual tem sido procurar, arduamente, nexos para pensar o presente tanto a partir da escrita cotidiana de jornais e manifestações nas redes sociais, quanto nos romances ou em autores da filosofia e da política que buscam exatamente interpretar o mundo atual se alimentando de um curto-circuito desses diversos gêneros literários.


Prefiro procurar compreender a partir dessa espécie de genealogia o porquê de engenheiros e diretores da Vale, uma empresa com tantos interesses a serem garantidos, que dependem, muitas vezes de uma boa imagem a ser preservada, insistirem na construção de barragens já descartadas em boa parte do mundo e, o que é bem pior, construírem um refeitório e uma área administrativa, a ser ocupada por seus trabalhadores, exatamente no caminho de uma avalanche de rejeitos.


Procurar entender a partir desse encontro epistemológico o porquê dos trabalhadores, evidentemente sabedores dos riscos, não conseguirem “abrir o bico” para denunciar tal situação. Ou ainda, sabedores dos riscos, se sujeitarem a fazer suas refeições naquele local.


Não vou nem abordar os porquês dos habitantes do entorno e das comunidades para não me estender em demasia.


Não quero aqui cair na mais profunda abstração e, assim, deixar de marcar nesse texto, de maneira muito afirmativa, os crimes perpetrados, mais uma vez, pela Vale e por parcelas significativas de políticos brasileiros contra seus trabalhadores, contra os moradores de Brumadinho e contra a Natureza.


Porém, não creio que uma abordagem meramente político-ideológica, técnico-científica ou, o que é ainda mais débil, político-partidária, possa dar conta da complexidade do evento e das possíveis saídas para a frágil condição que o ser humano se encontra no mundo atual.


O mundo mudou e com ele a nossa existência, como nos afirma a velha fórmula heideggeriana!


É ainda Milan Kundera que nos alerta: “com efeito, todos os grandes temas existenciais que Heidegger analisa em Ser e tempo, julgando-os abandonados por toda filosofia europeia anterior, foram desvendados, mostrados, esclarecidos por quatro séculos de romance”.


“Um por um, o romance descobriu, a sua própria maneira, por sua própria lógica, os diferentes aspectos da existência”.


Assim, se a filosofia, como nos diz Milan Kundera, desenvolve seu pensamento num espaço abstrato, sem personagens e sem situações e se o espírito do romance é o espírito da complexidade. Se cada romance diz ao seu leitor: “as coisas são mais complicadas do que você pensa”, nos parece evidente que esse curto-circuito é muito mais do que importante, ele é fundamental no mundo presente.


Nesse sentido, somente esse curto-circuito pode nos mostrar que existe algo para além da ganância acumulativa dos grandes capitalistas e que precisamos detectar.


Essa é uma condição sine qua non para tentar enxergar saídas! Do contrário continuaremos nesse círculo vicioso, como gado caminhando eternamente para o matadouro.


Precisamos perceber que existe uma condição existencial da mais pura sujeição do ser humano, um universo burocratizado que já aparece na obra de Kafka e que faz do escritório, do mundo do trabalho, não um fenômeno social, dentre outros, mas a essência do mundo.


Um mundo que aborta a imaginação, a criatividade, nossas inteligências e outras habilidades humanas primordiais, é um mundo que roubou o peso das nossas causas interiores.


Nos tornamos impotentes, com as nossas possibilidades de estar no mundo, de existência inteligente, digna e criativa, diminuídas, face o caráter esmagador das causas exteriores.


Esse é um mundo carregado de paradoxos. A Modernidade nos prometeu o paraíso da razão e vivemos numa profunda irracionalidade. Nos prometeu um mundo quadrado, sem curvas, com imensas ruas retilíneas, exatamente para evitar as surpresas e, agora, somos o tempo todo surpreendidos.


Agora, necessitamos cuidar para que a pior política não nos roube, novamente, esse mundo novo que emerge, com amplas possibilidades, inclusive pelo uso da técnica, de enriquecermos nossa existência.


Precisamos nos agarrar em nós mesmos, na extraordinária potência que reside no nosso amor e na nossa solidariedade, na nossa capacidade empática.


Somos, atualmente, o tempo todo, surpreendidos pelo perigo, pela banalização da vida e sem podermos desenvolver nossas inteligências, na verdade elas são roubadas de nós, e sem nossas habilidades de coragem, astúcia e destreza para escaparmos com vida, para sobrevivermos, para, exatamente, potencializarmos nossas possibilidades de existência.


Estamos definitivamente enclausurados num mundo medíocre e despojados das nossas principais armas, para que possamos confrontá-lo.


Não vivemos uma existência muito diferente da existência tola, idiota, apontada já no romance de Hasek, O bravo soldado Chveik, só que, agora, completamente no “mato sem cachorro”, pois, como já afirmei, desprovidos das nossas inteligências potenciais e das habilidades de coragem, destreza e astúcia para prevê o perigo e criar condições para escapar dele.


O mais trágico, porém, é que grandes idiotas e tolos passaram a comandar toda a humanidade!


Taí algo de que precisamos também escapar desesperadamente: da ação nefasta da idiotice e da tolice.


Ambas, aparentemente, não provocam dores nos nossos corpos, daí a dificuldade de combatê-las.


Esse sim é se apresenta para todos nós como um grande desafio atual: incorporar na formação das nossas crianças e jovens tais habilidades, desenvolvermos suas múltiplas inteligências.


Desafio para pais, escolas, através da universalização do acesso ao amplo conhecimento, aos esportes, à Capoeira, por exemplo, prática reconhecidamente nossa e que deveríamos universalizar no nosso país.


Desafio para nossas instituições, a exemplo do Exército, que é a instituição por excelência capaz de repassar essas antigas virtudes militares, mas que ao longo do tempo também se burocratizou.


Deveriam se repaginar, abrir suas instalações públicas, criar condições, jogos, para o exercício permanente dessas práticas para nossas crianças e nossos jovens.


Ensinar técnicas de como sobreviver no mundo-campo de concentração!


“Campos de Concentração”


Respaldada na sua vontade de lucro e no seu aparato técnico científico, talvez muito mais na primeira, a Vale tinha 100% de certeza de que sua barragem nunca iria romper, de que o seu escritório administrativo em Brumadinho e o refeitório dos seus trabalhadores jamais seriam engolfados pela lama.


Tanto que entregaram para os órgãos que atuam no sistema de fiscalização um Plano de Ações Emergenciais para a Barragem (PAEBM) hipotético, para “inglês ver”.


As medidas aí anunciadas, nunca foram, de fato, testadas. Se tivessem mandado algumas crianças locais badogarem a sirene encarregada de alertar a população local sobre o rompimento, talvez descobrissem que a mesma não funcionaria.


Viu-se surpreendida por sua arrogância, aguçada nos poderosos, e pela corrupção das melhores orientações de segurança. Pois em prática a natureza do atual Capitalismo predador, ativou no interior da corporação empresarial (Corporation) o tempo da força sem sentido, da sua agressividade perfeitamente desinteressada, um puro irracional, a força querendo apenas o seu querer.


Agindo dessa maneira, A Vale criou nas suas hostes uma espécie de “campo de concentração”. Paradigma extremo utilizado de forma corajosa por Giorgio Agamben para expor sua leitura política do mundo: local onde tudo parece ter-se tornado necessário e inevitável, sagrado.


Conseguiu asfixiar seus trabalhadores e pessoas da comunidade numa câmara de lama!


Nesse caso, inventou um mundo sem sujeito, sem liberdade e sem possibilidade de criação, tornando a vida dos seus trabalhadores e das comunidades do entorno uma “vida nua”, matável.


No mundo onde essa biopolítica se consolidou como domínio sobre a vida, Agambem nos diz que só podemos resistir com a “Profanação” desse mundo onde tudo se transforma em sagrado.


Ou seja, devolvendo ao uso comum e, com isso dando um novo uso, a tudo aquilo que desse uso comum foi retirado para sacralizar-se.


Como de outra forma explicar aquela situação dos trabalhadores que, ao não denunciar o “ campo de concentração”, ao não profanar as normas da Vale, pensando que assim sobreviveriam a possíveis penalidades, talvez a mais provável “o olho da rua”, terminaram por selar seus destinos com a morte?


Por que não buscaram mitigar o perigo com o jogo. Por que não foram em busca da infância. Onde, segundo Aganbem, reside nossa capacidade de jogar e de amar, de vivermos na intimidade de um ser estranho?


E, assim, em tal ambiente, criarmos as condições novas, descobrirmos as “frestas de contingência”, capazes de nos levar a resistir, a perseguir uma nova política, a sobrevivermos ao “campo de concentração”.


Semearmos, a comunidade que vem!


Por que, como crianças, não pegavam sua alimentação e iam almoçar num local mais distante do perigo, talvez na floresta?


Por que não inventaram aquelas engrenagens do Batman, onde, toda vez que o perigo se apresenta iminente, um cabo de aço aparece para levantar seu corpo?


Não é assim, com a magia, que a nossa imaginação transforma sonhos em realidade?


Por quê? Por quê? Por quê? Não é assim que as crianças começam o aprendizado do mundo?


E os sindicatos dos trabalhadores, onde estão que não organizam seus associados para profanarem tais normas? A desenvolverem novas formas de luta cotidiana. A voltarem a imaginar, a sonhar com um mundo melhor.


Infelizmente, continuam com os olhos voltados para uma luta que nos remete a uma sociedade futura, mas, que perdeu seus nexos com sua construção no presente.


Burocratizados, como se encontram, são incapazes de perceber o “campo de concentração” cotidiano a que a Vale/o grande Capital submete seus recursos humanos, enquadra a vida social.


Precisam ser profanados também!


Assim como partidos políticos, associações sociais, profissionais e líderes políticos e religiosos, inertes e burocratizados como estão.


Para encerrar, Agamben nos diz: “ nesse contexto do mundo, a luta pela ética não é, como se costuma afirmar, a luta pelo cumprimento da norma existente, nem pela realização desta ou daquela essência humana, deste ou daquele destino, desta ou daquela vocação histórica ou espiritual”.


“ Embora não se trate que o ser humano tem uma tarefa a realizar, a luta pela ética é a luta pela liberdade, ou seja, a luta para que possamos experimentar nossa “própria existência como possibilidade ou potência”, “potência de ser e de não ser”.


É isso! Beijos.


PS


Aganbem é um típico filósofo que busca esse curto-circuito que me referi na leitura que faz, atualmente, do pensamento político contemporâneo.


Como Benjamin, ele também trata o capitalismo como uma religião e uma das formas de profaná-lo reside na nossa capacidade de nos libertar da asfixia consumista em que estamos metidos.


Por fim, a foto que ilustra esse artigo, mostrando a obstrução de uma grande e movimentada avenida de Salvador por membros de uma família de uma senhora de 91 anos, internada numa UPA e aguardando há dias uma regulação para um grande hospital do SUS, onde, em hipótese, teria mais chances de sobrevivência, é um exemplo típico de uma atitude profanatória das normas vigentes.


Muitos, no gigantesco engarrafamento, podem até esbravejar contra os que impedem o seu “direito de ir e vir”, mas, o melhor a fazer é ainda tentar se colocar no lugar dos que sofrem e não encontram a quem recorrer no “campo de concentração”.


Nesses casos, o melhor a fazer, em vez de só reclamar, é passar, de alguma forma, fortalecer determinadas lutas que, ao fim e ao cabo, visam o benefício de todos.


É compreender que se trata de um grito desesperado que, quando, muitas vezes, não se é dado, o cavalo cai no atoleiro. A vaca vai para o brejo!


Se assim não fizessem, a morte, certamente, chegaria mais rápido. Como, em sua esmagadora maioria, chega para os despossuídos de bens e de poder.


Forte abraço.


Edson Miranda mbedson@gmail.com é jornalista, professor universitário e escreve no blog do Miranda


Opiniões e conceitos expressos nos artigos são de responsabilidade do autor


 
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