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Chico Ribeiro no Colunistas: O Ricardão e a cegueira de Maciste


Chico Ribeiro Neto é jornalista profissional

"Foi o xampu, bem!"

O cara viajou. Disse à mulher que ia voltar quinta-feira, mas chegou quarta à noite. Estava sem chave. Morava num conjunto habitacional en Salvador, com paredes de cobogós. Resolveu escalar os cobogós até o segundo andar e fazer uma surpresa à mulher. Surpreso ficou ele ao ver o Ricardão ao lado da mulher, de cueca cheia de girassóis. O Ricardão se picou em desabalada correria enquanto ele exigia explicações da mulher.


O caso se espalhou pelo bairro todo e o cara teve que se mudar, pois não aguentava mais ouvir a rua toda gritar seu novo apelido: "Corno Aranha!"


Vamos a outro caso onde quem viajou foi a mulher. Aconteceu num município baiano onde morava "Maciste", apelido dado porque ele era magro de fazer dó, parecia um palito. O que tinha de baixinho e magrelo sobrava em ousadia. Era só dona Lindaura viajar e "Maciste", já da Rodoviária, se mandava pra "zona", onde amanhecia. Ele tinha uma lanchonete embaixo da casa onde morava, onde se chegava através de uma escada apertadinha.


"Maciste" nunca pensou em levar mulher pra dentro de casa - "tá maluco?" - mas acabou que vai uma cervejinha, vem outra  já tava beijando a moça na praça, pra todo mundo ver. "Faz assim: eu vou na frente, fico na lanchonete distraindo a moça do caixa e você sobe com uma encomenda na mão, qualquer embrulho serve, e logo depois eu subo também".


O coração de "Maciste" batia como nunca. A cerveja deu pra criar aquela coragem toda, até para abrir a geladeira, cortar rapidinho um tira-gosto de queijo, guardar o porta-retrato dos meninos no guarda-roupa e esconder  ligeirinho o chambrão estampado de dona Lindaura. "Não se preocupe, ela só vai chegar amanhã" - dizia "Maciste", já de cueca na sala e sem camisa, aparecendo aquela ossada toda, dava pra contar as costelas.


Ele tava animado como nunca, ensaiou uns passos de dança  leu poesia de Castro Alves pra ela e chegou até a pensar em fugir pra Salvador um dia desse, agarrado com ela num ônibus-leito que saía meia-noite.


Amaram-se às três da tarde, e "Maciste", com aquela coragem do mundo todo que a cerveja continuava a dar, foi tomar banho junto com a namorada.


Estava tudo um paraíso se dona Lindaura, que estava pra chegar de viagem na quinta, não chegasse na quarta. "Maciste" ouviu a porta bater e logo depois a voz de dona Lindaura na sala: "Benhê, você tá aí? Já cheguei". 


Pingavam do corpo de "Maciste" água e suor, numa tremedeira só. Não tinha nada a fazer a não ser sair correndo, já que descer pelo ralo era impossível. E foi isso que "Maciste" fez. Antes de chegar no banheiro, que estava com a porta escancarada, dona Lindaura foi surpreendida com a passagem de "Maciste", a mais de 100 por hora, molhado e nu, a cabeça branca de xampu. "Tô cego, tô cego, meu Deus do céu, tô cego, não vejo nada" - berrava "Maciste", já ganhando a escada e a rua. Dona Lindaura desceu a toda, corria, gritava e chorava.


Quase um quarteirão depois - quando a namorada já ganhara o mundo - conseguiram segurar "Maciste" e enrolá-lo numa toalha, enquanto dona Lindaura chegava esbaforida: "O que foi, meu amor, o que foi que aconteceu com você?". "Não sei, acho que foi o xampu. Comecei a lavar a cabeça, escorreu pros olhos, parecia que tinha brasa viva nos meus olhos e fiquei sem ver nada, justo na hora que você chegou."


Dona Lindaura mandou trazer uma bacia d´água ligeiro e depois conseguiu um carro pra levar "Maciste" na melhor clínica da cidade. Duas horas depois, depois de muita lavagem nos olhos com soro fisiológico e farta aplicação de colírios especiais, "Maciste" voltava a enxergar lentamente e dona Lindaura perguntava:"Tá me vendo, bem, tá bem vendo?" "Tô vendo tudo nublado  mas tá melhorando, acho que vou voltar a enxergar".


"Aquele xampu nunca mais entra lá em casa. Vamos mandar carta pros jornais, vou levar o vidro pra televisão, isso é um crime se vender um xampu desses.E depois daquele dia  o xampu "Havaí del Sol" nunca mais entrou na casa de "Maciste". (Crônica publicada  no jornal A Tarde em 5/7/1989)


Chico Ribeiro Neto chicoribe@gmail.com nasceu em Ipiaú (BA) é jornalista profissional, começou na Tribuna da Bahia. Trabalhou na sucursal da Revista Manchete em Salvador e na sucursal do Jornal do Brasil em Porto Alegre. No jornal A Tarde foi editor de Economia, chefe de Reportagem e secretário de Redação


Opiniões e conceitos expressos nos artigos são de responsabilidade do autor

09/03/2025

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