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Diego Copque


Camaçari e os 461 anos de celebrações do Divino Espírito Santo de Abrantes



A festa do Divino Espírito Santo em Abrantes se confunde com a história da fundação do Aldeamento do Divino Espírito Santo. Essa festa é o marco de formação do território que se tornou município de Camaçari. No dia 29 de maio de 2019, a festa do Divino Espírito Santo e a fundação do aldeamento do mesmo nome completam 461 anos, sendo esse festejo a mais antiga celebração ao Divino Espírito Santo registrada no Brasil.


Mem de Sá se tornou o terceiro Governador Geral do Brasil no dia 3 de janeiro de 1558, e logo ordenou que os índios "mansos" fossem congregados em grandes povoações onde deveriam ser construídas igrejas, casas para os padres da Companhia de Jesus residirem e para melhor catequizá-los. Os padres jesuítas, João Gonçalves e Antônio Rodrigues, fundaram às margens


do Rio Joanes o Aldeamento do Divino Espírito Santo. No aldeamento, o missionário João Gonçalves adoeceu e celebrou sua última missa no dia 8 de dezembro de 1558. Ele morreu na cidade do Salvador no dia 21 de dezembro do mesmo ano no Colégio dos Jesuítas.


Segundo o padre jesuíta e historiador português Serafim Leite, o Aldeamento do Espírito Santo foi fundado no segundo semestre de 1558. Seu nome de batismo foi dado em alusão ao dia 29 de maio do mesmo ano, por ter sido celebrado nesse dia a Festa de Pentecostes, ou seja, era dia da celebração ao Divino Espírito Santo, padroeiro do recém-instalado aldeamento. Fato semelhante a esse ocorreu no batismo da Capitania do Espírito Santo, que aconteceu em 23 de maio de 1535, "oitava de pentecostes" que significa oitavo dia posterior à Festa de Pentecostes, quando o fidalgo português, Vasco Fernandes Coutinho, aportou em sua capitania hereditária.


A prática de consagrar nomes do calendário eclesiástico ou nomes de santos celebrados no dia do batismo de pessoas, povoações e aldeamentos era muito comum entre os europeus. Esse exercício de fé estava profundamente arraigado na cultura dos portugueses, como aconteceu com o Aldeamento de São Paulo na Capitania da Bahia, que recebeu esse nome por ter sido fundado no dia 29 de junho de 1558. É importante ressaltar que, ainda que a fundação do Aldeamento do Divino Espírito Santo não tenha ocorrido no dia 29 de maio, sua denominação efetivamente decorreu em memória desse dia.


Após a fundação do Aldeamento do Espírito Santo, foi erguida uma igreja que inicialmente era de barro e palha, mas no século XVII foi construída uma nova de pedra e cal. O historiador norte-americano Robert Smith, no início da década de 1950, declarou que: " É a aldeia do Espírito Santo, hoje município de Abrantes, uma das quatro primeiras povoações estabelecidas pelos padres da Companhia de Jesus no Brasil para catequizar os nativos e dilatar a santa fé principiada em 1558".


Em 1561, a população indígena do aldeamento era de quatro mil pessoas. O patrono do Aldeamento do Espírito Santo era homenageado anualmente quando eram celebrados os solenes jubileus, que significa “romarias” e as festas de Pentecostes. Serafim Leite, a respeito da festa do padroeiro, diz: “Pela invocação, que tinha do Espírito Santo ou Sancti Spiritus, eram


soleníssimas as suas festas”. No dia 21 de maio de 1564, na celebração de Pentecostes, muitas pessoas se deslocaram para a festividade. Algumas seguiram a cavalo, outras em redes, carros de boi, e aqueles que não tinham meios de transporte próprio seguiram a pé.


Em virtude da implementação do Alvará de 8 de maio de 1758 do rei Dom José I, que concedeu igualdade civil aos índios e à sua integração como os súditos do rei de Portugal, o Aldeamento do Divino Espírito Santo foi elevado à categoria de vila na sessão do Tribunal do Conselho Ultramarino em 27 de setembro de 1758, e rebatizado com o nome de Vila de Nova Abrantes do Espírito Santo. A "emancipação dos índios" é celebrada no dia 28 de setembro como se fosse aniversário de fundação da cidade, o que não condiz com os fatos e carece de revisão histórica.


A celebração ao Divino Espírito Santo tem relação direta com a Festa de Pentecostes, que por sua vez tem suas origens ligadas à festa da colheita instituída pelo povo hebreu israelita, de acordo com o livro de Êxodo 23: 14 a 17 do Antigo Testamento. Em sua gênese, a celebração marcava o fim das colheitas, sendo naquele momento comemorada a boa safra no campo.


Depois do controle do mundo antigo pelos gregos no ano 331 a. C., a festa da colheita dos hebreus passou a ser denominada de festa de Pentecostes, que significa "cinquenta dias após a páscoa". Na Idade Média essa festividade estava relacionada aos cultos pagãos. Em Portugal, a festa teve início no século XIV, quando em 1321 foi instituída pelos padres do Convento de São Francisco de Alenquer as celebrações ao Divino Espírito Santo, cuja benemérita era a rainha Isabel de Aragão de Portugal.


As celebrações ao Divino Espírito Santo acontecem anualmente no Dia de Pentecostes, fazendo alusão ao pentecostes que ocorreu depois da ascensão de Jesus Cristo quando seus discípulos estavam todos reunidos e, inesperadamente, ficaram cheios do Espírito Santo e foram distribuídas entre eles línguas como de fogo, conforme Lucas 1:35 e Atos dos Apóstolos 2:1-4.


O dia da festa do Divino Espírito Santo também é destacado como o dia da fundação da igreja cristã. A festa é uma data móvel, sendo celebrada entre os meses de maio e junho, e este ano será comemorada no dia 9 de junho. Essa festa foi introduzida no Brasil no Aldeamento do Divino Espírito Santo através dos padres da Companhia de Jesus no século XVI, e logo adquiriu características próprias de cada região e se faz presente de Norte a Sul do país.


A celebração em Abrantes é sincrética e cheia de simbolismos que envolvem personagens históricos e ancestrais, a exemplo dos padres jesuítas, índios tupinambás, negros, lavadeiras de ganho, pescadores e referências religiosas, como os sete dons do Divino Espírito Santo, anjos, pomba do Divino Espírito Santo, porta- estandartes, carregadores do andor, floristas e oratório.


A tradição de celebrar o Divino Espírito Santo em Abrantes permanece viva em sua comunidade há 461 anos, sendo essa celebração ao Divino Espírito Santo a mais antiga no Brasil. Com a finalidade de preservar os valores históricos, culturais e arquitetônicos, da Igreja do Divino Espírito Santo de Abrantes, no ano de 2016, foi iniciado seu reconhecimento como patrimônio cultural através do tombamento municipal. A festa do Divino Espírito Santo em Abrantes é um patrimônio cultural, simbólico, sincrético, histórico, antropológico, material e imaterial, que assim como a data de fundação da cidade carece do devido reconhecimento.


Diego de Jesus Copque diegokopke@gmail.com é professor, compositor letrista, historiador, pesquisador da História de Camaçari e autor do livro em fase de edição 'Do Joanes ao Jacuípe, uma história de muitas querelas, tensões e disputas locais'


Opiniões e conceitos expressos nos artigos são de responsabilidade do autor


 
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