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Luiz Duplat no Colunistas: Saúde, violência e corporativismo


Luiz Duplat é médico obstetra, especialista em Saúde da Família e secretário de saúde de Camaçari

Violência nas UPAs e nos outros serviços de saúde: o preço das más práticas e do corporativismo na saúde


Nos últimos anos, o Brasil tem assistido a uma escalada de violência contra profissionais de saúde, principalmente médicos, de serviços públicos e privados, refletida em agressões verbais, físicas e até em mortes. Fatores estruturais e sociais são frequentemente apontados como causas dessa violência, mas é necessário reconhecer outras dimensões que agravam o problema, como práticas inadequadas de alguns profissionais e o corporativismo existente na área da saúde, associado ao poder de amplificação que as redes sociais possuem.


Com base em dados de boletins de ocorrência obtidos via Lei de Acesso à Informação, o Conselho Federal de Medicina (CFM) divulgou um levantamento inédito sobre a violência contra médicos no Brasil entre 2013 e 2024. O estudo aponta um aumento, a cada ano, do número de casos, com recorde de 3.981 registros em 2023. Desde 2013, já foram contabilizados 38 mil casos, sendo os mais frequentes ameaça, lesão corporal, injúria, desacato e difamação, tendo como cenário hospitais, UPAs, UBS, ambulatórios, clínicas e consultórios. Em média, nove médicos são vítimas de violência por dia, ou um a cada três horas.


Neste artigo, farei uma análise de como essas questões contribuem para a violência nos serviços de saúde, incluindo o impacto do comportamento inadequado de profissionais, o papel das redes sociais na disseminação destas violências e apresentarei propostas para mitigar esse problema complexo, que passam pela autorresponsabilização dos profissionais, mudanças nas relações institucionais e conscientização da população sobre o sistema de saúde.


A violência contra profissionais de saúde começa a partir das deficiências do sistema de saúde e da intolerância social, mas parte dela está relacionada ao comportamento inadequado de uma parcela desses profissionais, combinado com o impacto de uma cultura corporativista que estimula o crescimento do problema. Entre os principais exemplos estão:


"Esquema" e Divisão de Turnos de Trabalho: Uma prática infelizmente comum em muitos serviços de saúde, na qual os plantonistas dividem o turno para atender pacientes em tempos menores do que o estipulado pela sua escala de trabalho. Inclusive, muitos profissionais, abandonam seus plantões, assim que termina o seu horário de atendimento combinado entre a equipe. Essa dinâmica, muitas vezes acobertada por chefias imediatas, reduz a qualidade do atendimento, aumentando o tempo de espera para atendimento da consulta (UPA) ou da ocorrência (SAMU), gerando no paciente a percepção de descaso da equipe com o seu problema, e consequente aumento do seu sofrimento emocional. 


Recusa em atender o paciente: Muitos profissionais, principalmente médicos, mesmo estando no seu turno de trabalho e sem outros pacientes agendados, se recusam a atender um paciente se ele chegar depois do horário marcado, independentemente do motivo do seu atraso. 


Atendimento Mecânico e Desumanizado: Muitos profissionais realizam consultas de forma apressada, sem examinar o paciente adequadamente ou mesmo sem lhe direcionar o olhar para estabelecer contato visual. Essa falta de empatia gera insegurança e desconfiança nos pacientes, que podem sentir que não estão sendo tratados com o devido respeito e atenção. 


Falta de Comunicação com os Acompanhantes: Ignorar ou minimizar o papel do acompanhante é outra prática recorrente. A ausência de explicações claras ou a exclusão do acompanhante na comunicação sobre o estado do paciente gera conflitos, além de potencializar dúvidas e frustrações.


Corporativismo e a Blindagem de Más Práticas: O corporativismo na área da saúde contribui para agravar o problema. Muitas vezes, práticas inadequadas ou antiéticas são ignoradas ou minimizadas por colegas e chefias em nome de uma falsa proteção à categoria. Esse comportamento perpetua uma cultura de impunidade e mina a confiança da população, que percebe o sistema de saúde como fechado e resistente à autocrítica.


Essas condutas e comportamentos geram uma impressão negativa do serviço de saúde e da equipe, associada a quebra da relação de confiança entre os profissionais de saúde e os pacientes.


As redes sociais amplificam e divulgam rapidamente os conflitos, expondo práticas inadequadas ou atitudes desrespeitosas de profissionais de saúde. As postagens que denunciam "esquemas" ou consultas desumanizadas, quando viralizam, reforçam a desconfiança e fomentam discursos de ódio. Contudo, o corporativismo também atua aqui: em vez de tratar denúncias com seriedade, muitos profissionais e entidades os desqualificam como "ataques à classe", sem analisar as responsabilidades envolvidas. Essa postura fortalece o ciclo de tensão, levando os pacientes/acompanhantes a expressarem sua indignação de forma agressiva ou até violenta, com divulgação através de vídeos, fotos e gravação de conversas.


A cultura corporativista prejudica tanto os trabalhadores quanto os pacientes, com consequências graves para a saúde pública:


Desconfiança Generalizada: A má conduta de alguns profissionais alimenta a insatisfação geral, prejudicando aqueles que realizam seu trabalho de forma ética e comprometida. A percepção de que profissionais se protegem mutuamente, mesmo diante de erros graves, deslegitima a imagem da unidade de saúde e dos profissionais envolvidos.


Impunidade e Repetição de Erros: O corporativismo dificulta a responsabilização e a correção de condutas inadequadas, perpetuando práticas prejudiciais ao atendimento. 


Isolamento dos Profissionais Comprometidos: Aqueles que denunciam más práticas ou buscam melhorias enfrentam retaliações dentro das equipes, alimentando uma cultura de silêncio.


Partindo do pressuposto que uma Unidade de Saúde deve proporcionar um atendimento seguro, ético, humanizado e respeitoso, e se isso não acontece a possibilidade de conflito entre o paciente e/ou acompanhante e a equipe, aumenta consideravelmente a possibilidade de uma agressão verbal ou física, portanto, algumas medidas precisam serem tomadas para mitigar as práticas inadequadas realizadas nos atendimentos, numa reconstrução da confiança entre profissionais de saúde e a população.


1 Capacitação de Profissionais: Investir em treinamentos que enfatizem a ética, a comunicação interpessoal e a humanização no atendimento. 


2 Mudança das Chefias Imediatas: Chefias que acobertam práticas inadequadas precisam ser substituídas por lideranças comprometidas com a qualidade do atendimento e o cumprimento das normas. 


3 Fortalecimento da Fiscalização: Implementar mecanismos de controle que identifiquem e coíbam práticas como a divisão de turnos ("esquema") e o atendimento desumanizado.


4 Valorização e Saúde Mental dos Profissionais: Garantir melhores condições de trabalho, jornadas adequadas e suporte psicológico, de forma que o profissional se sinta valorizado e possa desempenhar sua função de maneira ética e empática. 


5 Campanhas de Conscientização: Informar a população sobre os direitos e deveres no uso do sistema de saúde, além de promover a valorização dos profissionais éticos e comprometidos. 


6  Combate à Desinformação nas Redes Sociais: Regulamentar a responsabilização de plataformas digitais por discursos de ódio e incentivar o uso responsável dessas ferramentas para críticas e denúncias. 


7 Fortalecimento das Ouvidorias: Os canais para registro de queixas e/ou denúncias, devem ser robustos e acessíveis, atuando sem corporativismo, para que pacientes e profissionais possam registrar suas demandas, sem temor ou negligência.


A violência contra profissionais de saúde no Brasil é um reflexo de problemas estruturais, comportamentais e culturais que precisam ser enfrentados de forma integrada. Reconhecer e corrigir práticas inadequadas, romper com o corporativismo e investir em humanização e segurança são passos indispensáveis para reconstruir a confiança da população e promover um sistema de saúde mais justo e eficiente. Somente com coragem para enfrentar essas questões internas e externas será possível proteger os profissionais de saúde e a população que depende deles.


Luiz Duplat duplat.luiz@hotmail.com é médico obstetra, especialista em saúde da família e secretário de saúde de Camaçari


Opiniões e conceitos expressos nos artigos são de responsabilidade do autor

24/11/2024

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