Do Joanes à costa: O desafio do combate ao racismo ambiental em Camaçari
O passivo ambiental nos municípios da Região Metropolitana de Salvador está relacionado ao modo como se organizam as populações locais no enfrentamento de questões simples que se tornaram complexas no decorrer do tempo e aprofundam a exclusão social de grandes contingentes de baixo poder aquisitivo empurrados para áreas públicas bem delimitadas de ocupação irregular. Mas para eles de preferência próximas de empregos, das oportunidades de obtenção de renda em trabalhos temporários, do transporte público e de acesso à água.
O racismo ambiental decorre então da disputa em desvantagem por espaços privilegiados, neste sentido de localização, das camadas carentes com a classe média ávida por facilidades da urbanização a ela direcionada de serviços, empregos bem remunerados e negócios, e que bem gostaria de empurrar a gente diferente menos favorecida para os morros e lugares mais distantes ofertados como opção de moradia no pós-abolição da "limpeza étnica", áreas de crescente extermínio e de expulsão dos indígenas e dos quilombolas dos paraísos verdes, principalmente da costa, perto do mar.
Contudo a necessidade de mão de obra a obriga a adotar um padrão de ocupação do solo nos núcleos urbanos admitindo a vizinhança tipo " lá do outro lado das pistas" em ruas internas e atrás de devastadas dunas como acontece em toda a orla camaçariense especialmente Guarajuba, bairro rico de Camaçari, um município que se apresenta com graves problemas de invasão consolidada, privatização das áreas de praias e outros provocados pelo déficit da oferta de acesso ao saneamento básico.
O apartheid não impediu ambas, classe média e camadas mais pobres, de dizerem amém às distorções no conceito do que seja uma urbe gestada para todos, por falta de planejamento que os fazem conviver com a perda da qualidade das condições de vida a se deteriorem de forma progressiva ao fazerem vistas grossas para os crimes ambientais. Muitas vezes separadas por um curso de um rio antes caudaloso como o Rio Joanes, que seca poluído pelos despejos de esgotos de residências e o lixo jogado nas suas águas e margens bastante desmatadas na divisa de Lauro de Freitas e Abrantes em Camaçari, cidade onde do universo de 300.372 moradores somente 109.948 (41,7%) dispõem de serviços de saneamento básico de rede de esgoto, mas 95,38% do total de moradores são beneficiados com fornecimento de água potável pela Rede Geral de Distribuição. Cerca de 3,11% (9318 habitantes) não têm acesso à água encanada, usam poço artesiano ou poço profundo e o equivalente a 0,22% (666 domicílios) usam água de cacimbas, poço raso ou freático) dados Embasa último censo de 2022.
Dentre os muitos desafios para o prefeito eleito de Camaçari um dos maiores será o de promover a justiça socioambiental. O de garantir a melhoria do sustento das famílias e das moradias e a participação da sociedade civil e das suas representações no debate e formulação das políticas locais para defesa dos seus patrimônios ambientais e mananciais hídricos, como o Parque das Dunas de Abrantes e Jauá, rico em lagoas e aquífero cuja última poligonal aprovada reduziu à metade sua área original em vista da consolidação da ocupação desenfreada de empreendimentos imobiliários licenciados ou não.
É de suma importância a revitalização dos rios principais que banham o município pertencentes às bacias hidrográficas do Joanes, responsável por 40% do abastecimento de água da RMS, do Rio Capivara, do Jacuípe e do Pojuca.As organizações não governamentais no momento dessa crise climática acelerada tem terreno fértil para propor e alcançar parcerias com os poderes municipal e estadual relativas às demandas da sociedade de educação ambiental nas escolas, coleta de lixo seletivo, reciclagem, arborização e promoção do reflorestamento, a apicultura entre outras que envolvem intervenções na necessária transição energética e modos de distribuição equitativa das formas de vivência em espaços mais verdes sem poluição mediante recursos da proposta de cidades esponjas com praças e meios de conter enchentes cada vez mais frequentes.
A atração de apoios agora de segmentos diversos, a exemplo do Comércio lojista, Ordem dos Advogados, associações de moradores, de trabalhadores, de professores e outros profissionais à causa ambiental e instituições religiosas ampliam o leque de atuação que habilita as representações comunitárias e ambientalistas a serem porta-voz das mais variadas e menos pontuais mudanças que queremos nas nossas cidades, sob risco dos obeliscos de concreto e a verticalização moldarem e imporem um padrão distante das nossas expectativas quanto à qualidade satisfatória de convivência social. Sobreviver no planeta pede a união de todos e vontade política dos governantes.
A vontade política de intervir em ações ou projetos de interesses da coletividade chega rápido quando se sente o crescimento da articulação de cidadãs e cidadãos que mobilizam a opinião pública através das Organizações da Sociedade Civil abrindo-se às representações do setor produtivo e às lideranças, religiosas diversas.
A ausência destes segmentos na defesa do Patrimônio Natural é a grande razão do desinteresse dos políticos e logo dos órgãos de proteção ambiental da região. As leis de controle e proteção ao Meio ambiente solenemente ignoradas adiam projetos como o de saneamento básico nos municípios da bacia do Joanes e a recuperação do seu afluente Rio Camaçari que caminham a passos lentos na ordem das prioridades.
Angélica Ferraz de Menezes menezesangelicaferraz@gmail.com é jornalista, coordenou pelo Centro de Educação Ambiental São Bartolomeu (CEASB) o Projeto Alvorada na microrregião de Barra/São Francisco; coordenou os cursos de Meio Ambiente, Combate à Violencia/ Direitos Humanos e de Gestão Social do Centro de Formação Comunitária do Governo Federal na área do São Francisco; foi coordenadora do Projeto Memória Kirimurê da Oscip Centro de Pesquisas e Ações Socioambientais Kirimurê
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27/09/2024