Ninguém pode negar que Camaçari esteja aquém de sua importância na geopolítica mundial. Quem vive o dia a dia da cidade percebe a demência de sua condução.
Podemos afirmar que grande parte dos problemas enfrentados se relaciona com o tamanho do desenvolvimento econômico oriundo de suas riquezas e reservas naturais.
A principal riqueza de uma nação é a água, bem mais precioso do mundo e com o qual Camaçari foi abençoada em abundância. Nossos recursos hídricos (água subterrânea, rios e lagos) há anos são alvo de setores destrutivos e gananciosos.
O polo petroquímico instalado na cidade no final da década de 1970, após estudos geológicos, localizou a grande mina: um dos maiores aquíferos do mundo – o São Sebastião, abastecido pelos nossos rios Jacuípe e Joanes. A cidade é banhada por rios como o Rio Camaçari, cuja despoluição outrora foi promessa de campanha. O Rio Joanes recebe o despejo de esgoto doméstico sem tratamento da cidade de Lauro de Freitas, fazendo divisa entre os municípios de Lauro de Freitas e Camaçari, enquanto o Rio Pojuca separa Camaçari de Mata de São João. E o Rio Capivara, um rio genuinamente Camaçariense, que assim como o Joanes está ameaçado pela emissão de esgotos em seus afluentes. Tamanha riqueza hídrica e mineral e tão pouco reconhecimento de sua grandeza.
Os minerais de Camaçari foram e são extraídos de maneira criminosa. Relatos indicam que os minérios foram usados para edificação das maiores obras da capital baiana, por exemplo, o Centro Administrativo da Bahia (CAB) e o antigo Shopping Iguatemi (atualmente Shopping da Bahia).
Mesmo com o grande empenho de profissionais da área de segurança pública como, por exemplo, a delegada da 26ª DP, Sra. Danielle Monteiro, que ao longo dos anos tem realizado flagrantes e apreensões do furto de areia nas dunas de Jauá, são necessárias ações mais ostensivas para acabar de vez com o saqueio dos minérios.
Existe uma nítida ausência de defesa da cidade por parte dos entes federativos e de seu próprio povo. Depois de quatro décadas no papel, com uma intensa pressão popular, enfim houve a efetivação do Primeiro Parque Municipal, cujo decreto é de 01 de março de 1977. Camaçari tem de reconhecer a grande dívida histórica da omissão e inoperância das gestões públicas que por aqui passaram.
O Distrito de Abrantes, das margens do Rio Joanes até a foz do Rio Jacuípe reflete a problemática de um crescimento desordenado e a distância da ação administrativa ao longo dos quarenta anos de administração pública. A história desse distrito se inicia na doação de terras pelo estado brasileiro para vinda dos imigrantes italianos com a proposta de fortalecer a agricultura, tornando essa região uma grande produtora de quiabo que abastecia a antiga feira de Água de Meninos.
Essa região também tinha um dos maiores e mais ricos portos pesqueiros com pesca artesanal de Busca Vida e Jauá. A cercagem, com a tradicional e quase extinta puxada de redes, capturando toneladas de peixes galo, guaricema, lagostas, sem falar no Rio Joanes que outrora produzia mariscos, peixes de água doce, caranguejos, guaiamuns. Atualmente, a Praia de Busca Vida foi privatizada e os pescadores expulsos, enquanto o rio está morto e contaminado.
O Distrito de Abrantes com seu desenvolvimento e urbanização e pela aproximação com a capital baiana é uma cidade dentro da cidade. Com dois shoppings, uma praça de pedágio dividindo o distrito, empresas, indústrias, bancos, lotéricas, igrejas das mais variadas denominações, cemitério, cartório, batalhão da Policia Militar, delegacia, condomínios legalizados para a classe “A” (Busca Vida, Alphaville Litoral Norte, Interlagos), milhares de loteamentos e residenciais, potencial turístico com praias - Busca Vida, Jauá, Arembepe - clama por sua emancipação.
Sendo o maior colégio eleitoral, moradores utilizam serviços da cidade vizinha. Novatos nem acessam serviços oferecidos pela própria cidade. A ausência de políticas de mobilidade urbana é um dos fatores do distanciamento entre POVO e GOVERNO.
Os novos rumos para o desenvolvimento sustentável da região passa pelas mãos e pelo ideário da população. A reinvenção e apropriação da cidade é a solução. Discutir o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano é o pontapé inicial para o reaparecimento das “Camaçaris”. Identificar as anulações da região, pontuando e respaldando o direito da cidade.
Passou da hora de dizer não à garimpagem. Não fechando as portas e sim estabelecendo responsabilidades e dignidade às comunidades tradicionais. Para crescer tem-se que estar preparado! Nossas dunas não podem continuar a serem edificadas e diluídas, nossas águas não poderão ser poluídas. Construtores imobiliários terão de tratar seu próprio esgoto e não despejar em nossas águas.
Para manter a qualidade de vida da Antiga Aldeia do Divino Espírito Santo, no processo de mutação para Camaçari, é necessário antes de qualquer coisa muito cuidado.
“Por isso cuidado meu bem, há perigo na esquina”, “Ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais...”
Fabiana Franco fabianadacruzfranco@gmail.com é filha de Camaçari, empresária e pesquisadora em políticas sociais
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