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Fernando Alcoforado


Não à privatização da Eletrobras



Durante muitos anos, notadamente, aqueles anteriores à década de 1990, o Brasil vivenciou o que pode se chamar de monopólio estatal do setor elétrico. Isto é, competia às empresas estatais com exclusividade, praticamente, a produção, transmissão e distribuição da energia elétrica. Todavia, a partir do início da década de 1990, houve substancial transformação com a política de privatização do setor elétrico. Esse processo de privatização teve seu início durante o governo Fernando Collor com a adoção do modelo econômico neoliberal, mas se estendeu pelos governos subsequentes de Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Tal processo se deu através das diretrizes traçadas pelo Plano Nacional de Desestatização (PND) que tencionava transferir ao setor privado o gerenciamento das atividades baseado na premissa de que o setor público não atuava com eficiência.


Passados quase 20 anos desde o início das privatizações das distribuidoras de energia elétrica, o balanço do que foi prometido e daquilo que realmente está ocorrendo no país, permite constatar a existência de muitas falhas no fornecimento de energia elétrica em diversas regiões do Brasil. Desde então, a distribuição de eletricidade é operada pela iniciativa privada. As distribuidoras gerenciam as áreas de concessão com a obrigação de manutenção, expansão e provimento de infraestrutura adequada, tendo sua receita advinda da cobrança de tarifas dos seus clientes. As promessas de que o setor privado traria a melhoria da qualidade dos serviços e a adoção de tarifas acessíveis para todos os cidadãos foram promessas enganosas. A prática não demonstrou que a gestão do setor elétrico por empresas privadas seja superior à das empresas públicas. Desde 2006 verifica-se, na maioria das empresas do setor, uma tendência declinante dos indicadores de qualidade dos serviços devido à sua deterioração, refletindo negativamente para o consumidor.


O governo Michel Temer anunciou há alguns meses atrás, em decisão que surpreendeu o mercado, a privatização da Eletrobras, uma gigante formada por centenas de empresas que atuam em todas as três fases da cadeia produtiva do setor de energia elétrica (produção, transmissão e distribuição de energia elétrica). São 233 usinas de geração de energia, incluindo Furnas - que opera 12 hidrelétricas e duas termelétricas - e a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), além de seis distribuidoras, todas na região Norte e Nordeste, e 61 mil quilômetros de linhas de transmissão, metade do total do país e o suficiente para dar uma volta e meia no planeta. Ficarão de fora da privatização, ainda, as usinas nucleares de Angra, já que a Constituição prevê que apenas o Estado seja seu controlador, e Itaipu, que também pertence ao Paraguai. O plano de privatização do governo é diminuir essa participação emitindo novas ações.


Hoje, o governo federal detém 60% das ações da Eletrobras. A União é dona de 41% e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), junto com seu braço de participações, o BNDESPar, de outros 19%. Com um volume maior de ações, a fatia do setor público seria diluída e a companhia, capitalizada. Segundo o governo, o modelo de privatização procuraria evitar que o controle da companhia ficasse nas mãos de apenas um grupo, mas esse é um risco que ainda não pode ser descartado. Ter 30% de todo o potencial de geração de energia elétrica do país, como é o caso da Eletrobras, em poucas mãos poderia fazer com que o grupo controlador se tornasse um price maker, ou seja, que passasse a determinar os preços da energia.


A conta de energia vai ficar mais cara com a privatização da Eletrobras. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) estima que pode haver aumento de até 16,7% nas contas de energia. A razão principal é a mudança prevista para o regime de comercialização da energia produzida pelas usinas da Eletrobras, a chamada "descotização". A "descotização", discutida ainda antes da desestatização, por meio de uma consulta que o Ministério de Minas e Energia lançou em julho para debater mudanças no marco regulatório do setor, prevê o pagamento de um bônus à União - os R$ 20 bilhões que o governo espera arrecadar com a privatização e que seriam pagos com a emissão de ações da companhia.


É oportuno observar que, nos últimos 60 anos, foram investidos pela Eletrobras, em valores atualizados, cerca de R$ 400 bilhões na construção de usinas, linhas de transmissão e subestações. Sem contar o valor de 40 bilhões, já homologado, referentes às indenizações sobre a Rede Básica de Sistemas Existentes (RBSE) que o grupo receberá até 2025. No entanto, foi anunciado que o governo “arrecadará” cerca de R$ 20 bilhões com a privatização que é um valor bastente inferior aos R$ 400 bilhões já investidos.  Além de pretender vender a Eletrobras por um preço extremamente inferior ao real valor, ao contrário do que afirma o governo Temer, a Eletrobras é uma empresa que contribui positivamente para o resultado primário do governo. Nos últimos 10 anos, incluindo nesse cálculo os raros anos de prejuízo, a Eletrobras pagou para União, direta e indiretamente, cerca de 13 bilhões de reais. Ou seja, no agregado a Eletrobras contribuiu positivamente para o resultado primário do governo federal, tendo, em vários momentos, pago muito mais do que os 25% de dividendos mínimos determinados por Lei.


Esses dados são suficientes para demonstrar que, no médio e longo prazo, a privatização da Eletrobras é péssima economicamente para o Brasil, além de se constituir um crime de lesa pátria. Um dos argumentos do governo é o de que a venda da Eletrobras serviria para reduzir o déficit primário. O valor da venda se mostra pouco relevante perto da previsão de déficit nominal e primário de 450 bilhões e 157 bilhões de reais, respectivamente. O governo Temer trabalha, portanto, para vender a estatal por um preço muito inferior ao seu valor real e os recursos obtidos não reduzirão o déficit primário. O governo Michel Temer insiste na privatização que, se implementado, promoverá a entrega de um patrimônio público estratégico a preço de banana, paralisará os investimentos no setor elétrico, causará aumento dos preços da energia elétrica, além de ampliar o risco de racionamento de eletricidade.


 


É importante observar que o Sistema Eletrobras é o maior conglomerado empresarial de energia limpa da América Latina, composto por 16 empresas nos segmentos de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica. A Eletrobras possui 47 usinas hidrelétricas, ou seja, 47 barragens cuja gestão é questão de segurança nacional, sem nunca ter havido um acidente. A Eletrobras é responsável por 30% da geração, 50% da transmissão e 50% da energia armazenável (gestão das águas e reservatórios) do Brasil. Esse percentual é enorme se comparado com de outras empresas. É evidente que o controle de um conjunto desse porte por uma empresa privada pode provocar um forte desequilíbrio de mercado, com grande risco de manipulação operacional e do preço da energia.


É preciso enfatizar que a Eletrobras tem sido o principal ator na expansão do sistema elétrico brasileiro promovendo o desenvolvimento de todas as regiões do País. Ao contrário da afirmação de que a Eletrobras é ineficiente, suas subsidiárias têm apresentado os melhores indicadores operacionais do mercado de energia com um nível elevado de disponibilidade de transmissão e de geração que garantem o fornecimento de eletricidade com qualidade. Em casos de desastres climáticos, com a ocorrência de quedas de torres de transmissão, a Eletrobras possui planos de contingência que reconstroem as linhas em tempo recorde, o que financeiramente não é atrativo para a empresa, mas é muito importante para o sistema interligado nacional. Qual a probabilidade de que essa postura seja mantida nas mãos de uma empresa privada que venha a controlar a Eletrobras? Além disso, a companhia vende energia subsidiada para o consumidor, o que propicia a modicidade tarifária. Essa situação também perdurará com a Eletrobras nas mãos do capital privado? A resposta é não.


O Brasil precisa de muitos investimentos na expansão do sistema elétrico. Nos últimos anos, o crescimento da oferta de energia elétrica foi em média 2% superior ao crescimento do PIB. Tudo indica que a privatização da Eletrobras significará a entrega do setor elétrico do Brasil para o capital estrangeiro. Uma vez privatizada e desnacionalizada, é bem possível que a mão de obra e equipamentos destinados à Eletrobras sejam importados de países para operar o sistema. Esse processo gerará, certamente, o sucateamento da indústria brasileira de equipamentos elétricos, além da precarização das condições de trabalho e a elevação das taxas de desemprego no longo prazo. Não à privatização da Eletrobras.


Fernando Alcoforado falcoforado@uol.com.br  atuou por mais de 50 anos em empresas do setor elétrico do Brasil e foi Subsecretário de Energia do Estado da Bahia, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico e autor de livros.


 
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