A mãe de quem? Tem cabelo aonde?
Essa indagação era feita por um amigo que conheci no serviço público de Camaçari há mais de 15 anos atrás. Toda vez que surgia um assunto ou situação que não parecia fazer sentido, era incoerente, ele soltava essa pérola no meio da conversa e acabava chamando atenção de todos pela aparente quebra de raciocínio que a pergunta “sem pé nem cabeça” gerava naquele contexto.
Resolvi trazer essa expressão que também acabei adotando em certas situações, como um posicionamento diante de assuntos que exigem um “pera ainda”, um “calma lá”, para chamar a atenção de que precisamos refletir e entender melhor sobre o que está acontecendo.
Aqui, o uso dessa curiosa expressão vai para o assunto do momento na cidade de Camaçari que é o pseudodebate sobre a Camaçari que queremos no Futuro.
Essa pauta tem sido a tônica da disputa política entre candidatos à pré-candidatos à Prefeito e, agora mais do que nunca, com a conclusão pelo Executivo Municipal do Anteprojeto de Lei do novo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU), cujo texto e anexos (mapas) já estão na Procuradoria Jurídica do Município para preparar encaminhamento a qualquer momento à Câmara de Vereadores.
Atribuo como pseudodebate sobre a “Camaçari que queremos no Futuro” pela constatação de que não há nenhum aprofundamento nas conversas sobre este assunto. Sobra propaganda e faltam análises e posicionamentos críticos, especialmente sobre o que tem sido falado versus o que tem sido praticado por agentes públicos e políticos, lamentavelmente.
A Prefeitura já deu como encerrado os debates de construção do PDDU com o cumprimento do seu cronograma de “audiências e consultas públicas”. Em paralelo e em descompasso com os acontecimentos tem candidatos à sucessão do atual governo de Camaçari chamando o povo para debater a Camaçari que querem no futuro. Debater o quê senhor candidato se já tem tudo pronto na gaveta sem combinar com o povo? Se o projeto da principal Lei que trata do assunto já está prontinho para ser aprovado pela maioria dos vereadores da Câmara Municipal a qualquer momento?
A mãe de quem? Tem cabelo aonde? Acorda gente!
A Lei do PDDU é o principal instrumento da política de desenvolvimento e expansão urbana do Município. É com base no conteúdo do PDDU, através dos objetivos definidos, diretrizes para formulação de políticas públicas, estratégias para alcance de resultados, projetos, ações e regras para o ordenamento do território que Camaçari se desenvolverá, ou não, pelos próximos 10 anos, no mínimo.
É a partir do que estiver definido no PDDU que estímulos e oportunidades serão criadas em Camaçari para que as pessoas tenham seus direitos atendidos e condições de viver com prosperidade. Mas também é no PDDU que se condena um Município à escassez de investimentos públicos e privados, oportunidades de emprego e renda, degradação ambiental, violência urbana, ampliação das desigualdades sociais, degradação do patrimônio público e privado, precariedade do sistema de transporte e mobilidade, ausência de moradia digna, saneamento, saúde, educação e cultura.
Quando um PDDU é construído sem a participação democrática dos cidadãos e segmentos importantes da sociedade, sem os adequados mecanismos de inclusão e de comunicação, sem transparência e, especialmente, quando um PDDU é feito por pessoas e profissionais sem conhecimento da realidade e dinâmica da cidade que se propõem planejar para o futuro, não precisa ter bola de cristal para prever qual será esse futuro e para quem estão construindo esse futuro.
Acordem porque estão passando a boiada! Enquanto os candidatos à pré-candidatos falam uma coisa, na prática eles fazem outra coisa!
Caro(a) leitor(a), você cidadã(o), pessoa interessada pelo tema e pelo futuro de Camaçari, já parou para ler e entender o conteúdo desse Anteprojeto de Lei do PDDU feito pela Prefeitura de Camaçari e uma consultoria de direito imobiliário especialmente contratada com dinheiro público para essa finalidade?
Eu já! E sim, tenho seríssimas preocupações com o que está e com o que deixou de estar estabelecido no texto desse Anteprojeto de Lei e nos mapas que compõem seus anexos nos revelando a fotografia desse futuro para Camaçari.
Já vou avisando que a foto não é nada bonita e próspera não! Especialmente para o setor produtivo e empresarial dependente de um ambiente de negócios com segurança jurídica e técnica-administrativa para se realizar e gerar empregos e oportunidades tão necessários para elevar o patamar da condição social da população de Camaçari.
Também seria surpreendente obter conclusão diferente do cenário desenhado conhecendo e tendo alertado desde o início sobre os inúmeros equívocos de condução desse processo pelo Executivo Municipal.
Sigo apreensiva com os rumos mal traçados para a Camaçari do futuro que ficou evidente na explícita e desastrosa tentativa em atender interesses particulares em detrimento do espírito público, da obediência dos preceitos constitucionais, dos anseios da coletividade e da exigida competência técnica-profissional para lidar com a matéria. Confesso que também sigo curiosa e na expectativa com a criatividade que terão para prepararem o discurso e a defesa do indefensável contido nesse Projeto de Lei do PDDU na Câmara de Vereadores.
Juliana Paes urb.julianapaes@gmail.com é Urbanista, formada pela Uneb, especialista em Planejamento Urbano e Gestão de Cidades, estudou na Universidade de Québec e na Universidade de Montreal (Canadá) e cursou o Mestrado em Engenharia Ambiental e Urbana na UFBA. Atualmente é Assessora Técnica do Vice-Governador do Estado da Bahia
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