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Camaçari, um palco vivo das artes na Bahia e no Brasil


Diego Copque é professor, historiador, pesquisador da História de Camaçari e autor do livro em edição

O 2 de julho é celebrado, anualmente, desde 1827. Data magna da Bahia, como sabemos, nesse dia, ano de 1823, o exército libertador baiano entrou na Cidade do Salvador, e expulsou as tropas coloniais portuguesas, consolidando a Independência do Brasil na Bahia.


Como já escrevi nesse espaço, esta data tem dupla representatividade para o município de Camaçari. Não apenas a sua efetiva participação nas ações de combates de 1823, com a inserção do município no circuito da passagem do fogo simbólico, uma vez que seu território foi via de acesso das tropas baianas através da Estrada das Boiadas.


No dia 2 de julho de 1583 também devemos celebrar o fato histórico ocorrido no Aldeamento do Espírito Santo (Vila de Abrantes), com a apresentação de uma das primeiras peças teatrais do Brasil.


Para sabermos desta história, é necessário conhecer um pouco da trajetória do padre jesuíta Fernão Cardim, que nasceu em Viana do Alentejo em Portugal em 1549. Ingressou na Companhia de Jesus em 1566, desembarcando no Brasil em 1583, na condição de secretário visitador da Companhia de Jesus. Fernão Cardim, morreu e foi sepultado na Igreja do Espírito Santo, em Vila de Abrantes, no dia 27 de janeiro de 1625.


As visitas de Cardim nos aldeamentos indígenas do Brasil resultaram em importantes obras, como “Tratados da terra e da gente do Brasil”. Através da narrativa desse tratado, ficou o registro da grande importância do teatro, da dança, e da música na formação daquelas novas comunidades, e principalmente da utilização das artes, como ferramenta pedagógica no chamado processo de aculturação dos povos indígenas.


Cardim nos informa que em sua primeira visita junto ao Padre Cristovão de Gouveia ao Aldeamento do Espírito Santo (Vila de Abrantes) no dia 2 de julho de 1583, eles foram recebidos pelos índios que tocavam flautas, viola, pandeiro e tamboril, e em seguida encenaram um belo espetáculo teatral denominado de "Auto pastoril". Organizado a partir de um curioso sincretismo que misturava teatro, cânticos indígenas e hinos religiosos da Companhia de Jesus, montagem tinha como atores e figurantes os índios que representavam os personagens. Os relatos de Cardim deram ênfase a desenvoltura do ator Ambrósio Pires, um índio tupinambá cristianizado que representava Anhagá, uma entidade da mitologia Tupi, conhecida pelos povos indígenas como um espírito mal que, entre suas características consideradas negativas, estava a de não saber nadar.


Associado pelos jesuítas ao diabo, a figura de Anhagá protagonizava enredos teatrais com relação direta com a moral católica cristã, e eram inspirados nas peças de Gil Vicente (1465-1536). Poeta afamado como o primeiro dramaturgo português e pai do teatro popular, tem entre suas obras mais célebres o “Auto da barca do inferno”, que tem como personagens centrais anjos e demônios. O Auto é uma peça teatral com uma linguagem simples e composto normalmente de um único ato cheio de elementos cômicos. Seus personagens simbolizavam as virtudes e os pecados dos homens integrando santos católicos e divindades indígenas.


O índio Ambrósio Pires era muito celebrado em razão de sua beleza e de seus trejeitos, denominados na época de "gatimanhos". Ele tirava muitos risos daqueles que assistiam suas interpretações. De acordo com os historiadores Serafim Leite e Afonso Ruy, este último especialista na história do teatro, a Bahia encenou as primeiras peças teatrais no Brasil. Ainda segundo o pesquisador e jesuíta Serafim Leite, o índio Ambrósio teve seu nome ligado “às primeiras representações teatrais no Brasil”, como registrou no seu livro “Novas páginas de história do Brasil”.


A primeira, em 1564, denominada de "Auto de Santiago", foi apresentada no Colégio do Terreiro de Jesus, em Salvador. A segunda foi a tragicomédia "No dia da transladação das relíquias das Onze mil Virgens" encenada no mesmo Colégio, em 1581. A terceira, "O rico avarento e o Lázaro pobre", em 1575, foi encenada em Recife, então capitania de Pernambuco, também conhecida como Nova Lusitânia.


A quarta apresentação aconteceu no Aldeamento do Espírito Santo, em janeiro de 1584, com o Espetáculo “Diálogo Pastoril”, também representado por Ambrósio Pires e outros índios daquela povoação. Mas, este espetáculo tinha como particularidade o fato de que fora encenado nas línguas portuguesa, tupi e castelhana, servindo assim como elemento de integração entre indígenas e colonizadores.


Ambrósio Pires, nasceu por volta do ano de 1550, no território que veio a se tornar Aldeamento do Rio Vermelho, hoje bairro do mesmo nome, em Salvador. Esse aldeamento foi fundado em 1556, pelos padres Antônio Rodrigues e João Gonçalves, os mesmos que estabeleceram o Aldeamento do Espírito Santo (Vila de Abrantes) em 29 de maio de 1558.


Ambrósio Pires foi educado pelos padres desde os seis anos, quando deixou a companhia de sua avó, uma velha índia, e foi levado, no dia 6 de janeiro de 1556, do Rio Vermelho para o Colégio dos Jesuítas, sendo batizado, no dia 15 de agosto de 1556, na Festa de Nossa Senhora da Assunção. Nessa ocasião, recebeu seu nome de batismo em homenagem ao Reitor do Colégio, o padre Ambrósio Pires.


Após diversas apresentações teatrais nos aldeamentos indígenas, Ambrósio Pires foi para Lisboa na companhia do padre Rodrigo de Freitas. O espetáculo montado no Aldeamento do Espírito Santo, no dia 2 de julho de 1583, é um dos marcos das atividades teatrais no Brasil e seguramente sinaliza Ambrósio como o primeiro índio ator do Brasil.


Este artigo foi escrito na perspectiva de que, apesar de estarmos passando por momentos difíceis na cultura, nas artes e na educação em todo o contexto nacional e mundial, é preciso manter acesa a chama artística, histórica e cultural, e toda a sua estrutura de apoio institucional e de produção, principalmente, em Camaçari, um dos berços das artes cênicas, musicais e educacionais do Brasil. 


Diego de Jesus Copque diegokopke@gmail.com é professor, historiador, pesquisador da História de Camaçari desde 2001. É autor do livro em edição: "Do Joanes ao Jacuípe, uma história de muitas querelas, tensões e disputas locais".


Opiniões e conceitos expressos nos artigos são de responsabilidade do autor

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