Em um procedimento inédito e sigiloso, o ministro Augusto Nardes, do Tribunal de Contas da União (TCU), suspendeu um processo em que as empreiteiras Queiroz Galvão, UTC Engenharia, Techint Engenharia e Empresa Brasileira de Engenharia e Comércio (Ebec), todas envolvidas na Operação Lava Jato haviam sido impedidas de firmar contratos com a União.
A justificativa de Nardes é discutir com as empresas algum tipo de cooperação formal, apesar de o órgão nem sequer poder fechar acordos de leniência, espécie de delação premiada feita por pessoas jurídicas. Enquanto isso não ocorre, as empreiteiras continuam aptas a participar de licitações com entes públicos.
O ministro Nardes é investigado na Operação Zelotes, em um inquérito no qual seu sobrinho já foi denunciado na primeira instância. Como tem foro no Supremo Tribunal Federal, cabe à Procuradoria-Geral da República decidir se arquiva ou se apresenta acusação formal.
O ministro do TCU é alvo também de delações em desdobramentos da Lava Jato fluminense, como a do ex-subsecretário de Transportes do Rio Luiz Carlos Velloso e a do ex-presidente da Fecomércio do Rio Orlando Diniz. Nardes nega participação em qualquer tipo de irregularidade.
A Queiroz Galvão, inclusive, venceu no fim de fevereiro uma licitação no valor de R$ 430 milhões para um trecho de obras no Metrô de Salvador. Se as sanções estivessem valendo, a empresa poderia ser impedida de assumir o contrato.
A punição às empreiteiras foi decidida pelo plenário do TCU em março de 2017. O processo está relacionado a fraudes em licitação na usina nuclear de Angra 3, no Rio. O caso também rendeu sanções na esfera criminal.
Ao suspender o processo – e, por consequência, manter a idoneidade das empreiteiras –, Nardes contrariou a posição de auditores do próprio TCU, que se manifestaram em junho do ano passado pela rejeição de recurso e início da punição.
Pela sanção aplicada anteriormente pelo tribunal, as empreiteiras deveriam ficar cinco anos impedidas de contratar com a administração pública.
Em vez de enviar os recursos para julgamento, Nardes consultou a procuradora-geral do Ministério Público no TCU, Cristina Machado, sobre a possibilidade de empresas cooperarem no processo. A procuradora foi favorável. A proposta foi levada pela Queiroz Galvão e pela Techint para o ministro.
Nardes, então, incumbiu Cristina Machado de analisar em que bases esse acordo com as empresas se daria no TCU, além de quais benefícios poderiam ser concedidos. Não há prazo para que a procuradora-geral se manifeste.
Nas regras do tribunal de contas, no entanto, não existe a possibilidade deste tipo de cooperação. Pela legislação, apenas a Controladoria-Geral da União (CGU) pode firmar acordos de leniência. O Ministério Público Federal, por sua vez, também negocia colaborações de empresas com aval da Justiça.
Comparação. A conduta de aguardar uma possível colaboração antes de punir as empresas já foi criticada pelo TCU. Em 2017, o tribunal determinou que a CGU retomasse processos contra empresas implicadas na Lava Jato que negociavam acordos de leniência.
Para ministros do TCU ouvidos reservadamente pelo Estado, a corte de contas acaba de repetir o que reprovou na conduta da controladoria, com o agravante de já ter punido as empresas há dois anos.
Esses ministros argumentam que a decisão não poderia ser tomada individualmente por Nardes. Também afirmam que deveria ter sido fixado prazo para a suspensão da inidoneidade.
Segundo o Estado apurou, já há um parecer da área técnica do tribunal que desaconselha qualquer tipo de acordo sem a confissão prévia de irregularidades pelas empresas. Conforme o documento, a colaboração só poderia existir se contribuir para o ressarcimento dos danos.
Antes de retomar o julgamento sobre a punição às empreiteiras, o plenário do TCU terá de decidir sobre a possibilidade de cooperação, o que ainda depende do parecer da procuradora-geral do Ministério Público na corte de contas. Estadão