O juiz Sério Moro, futuro ministro da Justiça do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), deve ter uma pauta de discussão, e de potenciais conflitos, muito mais ampla do que nos tempos de magistrado da Lava Jato em Curitiba. A primeira questão, e potencialmente a mais explosiva, deve ser a da prisão a partir de condenação em segunda instância, usada para mandar o ex-presidente Lula para a cadeia.
O Supremo aprovou a mudança em 2016 por 6 votos a 5. Sabendo que ministros mudaram de posição, a defesa de Lula tentou colocar essa questão em votação no Supremo neste ano para libertá-lo, sem sucesso. A mudança da lei enfraqueceria a Operação Lava Jato, segundo procuradores da força-tarefa. Como Moro disse que aceitou o cargo para evitar retrocessos na operação, o embate parece certo.
Há outras questões em que o Supremo e Moro divergem. O juiz defendeu, e muitas vezes colocou em prática, interpretações da lei que contrariam o entendimento do Supremo. A maior derrota de Moro nessas questões foi o veto da corte em junho do ano passado às conduções coercitivas, uma figura que só é autorizada em condições excepcionais, mas era usada rotineiramente pela Lava Jato. A força-tarefa em Curitiba obteve autorização para fazer 227 conduções coercitivas.
A corte também considerou ilegal o uso que Moro fez do conceito de interesse público ao divulgar gravações de conversas do ex-presidente Lula. O juiz também tinha críticas sobre o entendimento da legislação brasileira, endossada pelo Supremo, sobre recursos que um réu pode ingressar para tentar mudar o resultado de um julgamento. "É um sistema de recursos sem fim", disse o ex-juiz em comissão do Congresso em setembro de 2015. "Sem falar em crimes graves, de malversação do dinheiro público, que demora muito, muitas vezes chegando à prescrição. Isso precisa ser alterado".
O caso do ex-prefeito Paulo Maluf (PP) parece dar razão a Moro. Ele foi denunciado em 2006 por desvios de US$ 172 milhões em uma obra em São Paulo, mas só foi cumprir a pena de prisão, decretada pelo Supremo, 19 anos depois.
O livro que Moro carregava na quarta-feira (1/11), quando foi se encontrar com Bolsonaro no Rio, "Novas Medidas Contra a Corrupção", que deve ser seu guia no ministério, defende que é preciso "imprimir maior celeridade ao sistema recursal" sem violar garantias. O pacote prevê o estabelecimento de prazos para os recursos e a aplicação de multas para quem apela apenas para ganhar prazo.
O livro exibido por Moro não é um manual de Direito: é um conjunto de medidas para combate à corrupção propostas pela Ong Transparência Internacional em parceria com a FGV (Fundação Getulio Vargas). Foi elaborado após o conjunto de propostas conhecido como "Dez Medidas Contra Corrupção", encampadas por um setor do MPF (Ministério Público Federal), gerar discórdia no meio jurídico e ser enterrado pelo Legislativo.
Na Lava Jato, Moro conseguiu aplicar agilidade incomum na Justiça brasileira com o uso de figuras do direito anglo-saxão, como os acordos de delação. O pano de fundo de todas as divergência do ex-juiz sobre a legislação brasileira é uma das figuras centrais do sistema jurídico ocidental: a presunção de inocência.
O artigo 5º da Constituição brasileira prevê que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Trânsito em julgado quer dizer que não cabe mais recursos para mudar a sentença.
A defesa de Lula diz que sua prisão viola esse princípio. O entendimento que prevaleceu é de que a pena pode ser cumprida mesmo quando há recursos pendentes no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo.
Moro já atacou o que considera excessos na invocação dessa figura: "O princípio de presunção de inocência não pode ser interpretado como uma garantia de impunidade dos poderosos", disse em abril deste ano. Folha de São Paulo