A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) a abertura de um inquérito para investigar a conduta do juiz federal Rogério Favreto, do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região). Dodge apontou suspeitas do crime de prevaricação (cuja pena prevista é de 3 meses a um ano de detenção) e sustentou que Favreto agiu para “satisfazer a interesse ou sentimento pessoal”.
A assessoria de imprensa do TRF-4 informou que o juiz Rogério Favreto não tem se manifestado sobre o assunto e ainda não teve ciência do pedido da PGR.
A decisão do juiz plantonista foi depois revertida pelo presidente do TRF-4, Thompson Flores, após movimentação do juiz Sergio Moro, responsável pela Lava Jato na primeira instância.
“Sem competência para praticá-los [seus atos] no plantão judiciário, o representado [Favreto] assumiu função judicial que não era sua, pretendendo desconstituir ordem judicial válida, emanada de juízo competente (a 8ª Turma do TRF-4) e confirmada mais de uma vez pelos Tribunais Superiores [STJ e STF]”, descreveu Dodge. Ainda segundo a procuradora, “[Favreto] Deu aparência de legalidade a sua competência e ao conteúdo da sua decisão, fazendo crer que desconstituía ato de juiz federal [Moro] e não do próprio TRF-4. Reiterou-a e dirigiu-se à autoridade policial, fixando prazo em horas para que cumprisse sua decisão, chegando a cobrar pessoalmente ao telefone o seu cumprimento”, continuou.
Dodge citou no pedido enviado ao STJ que Favreto exerceu várias funções ligadas ao Poder Executivo em governos do PT antes de ser nomeado juiz federal, o que ela classificou como “vestígios da motivação” do juiz. “Tal conduta apresenta elementos de ato ilícito praticado dolosamente com o objetivo de satisfação de sentimentos e objetivos pessoais, tipificado pela lei penal.”
“Este histórico profissional legítimo ganha relevância específica no contexto da infração praticada pelo representado, pois revela que o estreito e longevo vínculo com o partido político do réu [...] teve efeito na quebra da impessoalidade da conduta do magistrado”, disse.
Para a procuradora-geral, a justificativa de que Lula é pré-candidato e está sendo impedido de participar de atividades eleitorais, usada para fundamentar a ordem de soltura, não era um fato novo. O juiz plantonista acatou um pedido de habeas corpus apresentado por parlamentares petistas com esse argumento.
“A propósito desse plantão, a dinâmica dos atos processuais sugere que a concessão da ordem de habeas corpus foi um ato orquestrado meticulosamente para, em detrimento da lei vigente, alcançar a soltura do réu, que havia sido negada pelas vias processuais lícitas e competentes”, sustentou a PGR.
Dodge transcreveu declarações que o deputado Paulo Pimenta (PT-RS), um dos autores do pedido de habeas corpus, concedeu à Folha para indicar que a ação foi orquestrada. “‘Sou do Rio Grande do Sul. Conheço as pessoas. Alguém me deu o toque. Olhei no sistema e vi [que Favreto seria o plantonista]. É público’”, disse o parlamentar na reportagem.
“O que aconteceria se todo preso em regime fechado se anunciasse pré-candidato? Seriam todos soltos [...]? Para dar sustentação às premissas inverídicas que adotou em suas ilegais decisões, o representado desconsiderou escancaradamente decisões judiciais da 8ª Turma do TRF-4, do STJ e do STF”, disse Dodge.
A procuradora-geral defendeu as movimentações feitas por Moro e pelo relator do processo de Lula no TRF-4, João Pedro Gebran Neto, como necessárias para barrar o cumprimento de uma decisão que considerou ilegal.
“Os fatos descritos revelam não se tratar de um erro judiciário”, concluiu Dodge. “O representado agiu intencionalmente [...] para satisfazer interesses privados oriundos de seus vínculos com o réu, membros e dirigentes do partido político a que ele pertence.”
Para Dodge, a conduta de Favreto desonrou a honorabilidade de seu cargo. “Ele agiu por motivos pessoais e expôs todo o Poder Judiciário”, afirmou ela, em violação às regras da impessoalidade e imparcialidade.
A procuradora-geral também representou contra Favreto no CNJ (Conselho Nacional de Justiça), onde o juiz federal poderá responder a Processo Administrativo Disciplinar.
Na reclamação disciplinar, ela narrou os episódios do último domingo e pediu a condenação de Favreto por infrações disciplinares como ter supostamente agido de modo incompatível com a honra e o decoro da função. Pela lei, a punição máxima para um juiz é a aposentadoria compulsória (com manutenção de salário).