A legislação brasileira garante a prerrogativa do foro especial para pelo menos 58.660 pessoas. Número é 100 vezes maior que os 594 deputados federais e senadores, aponta levantamento feito pelo jornal Folha de São Paulo. São autoridades que ocupam mais de 40 tipos de cargos em diversas áreas e níveis da administração pública e possuem direito a tratamento diferenciado na Justiça. Ações que envolvem essas pessoas são enviadas diretamente a instâncias superiores.
Com 7.231 autoridades, São Paulo é a unidade da federação com o maior número de pessoas com foro. Depois vem a Bahia com 6.852 pessoas com essa vantagem sobre o resto da população. Estado possui população 3 vezes menor (15 milhões de habitantes) que o maior estado do país com mauis de 45 milhões de pessoas.
São 24.659 juízes, 11.471 membros do Ministério Público Estadual, 5.570 prefeitos, 3.149 membros da Defensoria Pública Estadual, 2,551 membros do Ministério Público da União, 1.241 procuradores do estado e 1.059 deputados estaduais. Os dados foram extraídos de 60 diferentes fontes oficiais, como Conselho Nacional de Justiça e portais de transparência municipais e estaduais.
A Constituição de 1988 definiu parte das funções que devem receber esse tratamento. Sob responsabilidade do STF, ficam, por exemplo, o presidente da República e membros do Congresso. Governadores e desembargadores têm seus processos levados diretamente ao STJ (Superior Tribunal de Justiça). As Constituições de alguns estados ainda ampliam o foro para comandantes de polícia e bombeiros, titulares de empresas públicas e vereadores.
"O foro não é uma proteção do parlamentar ou do agente público. É a proteção do sistema eleitoral", diz Fábio Tofic, presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD). "É um mecanismo que impede que um juiz casse por via oblíqua o voto de milhares de pessoas. Apenas um órgão colegiado pode tomar uma decisão em processo criminal que afete a vida política do país."
No caso de foro especial a agentes públicos não eleitos, como juízes, o princípio é garantir a isenção.
Na prática, porém, segundo avalia o presidente nacional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Claudio Lamachia, o número elevado de pessoas com foro contribui para a morosidade da Justiça.
No Supremo, os ministros devem terminar de analisar ação que limita o alcance da prerrogativa para deputados federais e senadores no dia 2 de maio. Oito dos 11 magistrados que compõem a corte já votaram favoravelmente à restrição. Faltam apenas três votos para a conclusão do julgamento: dos ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. Para a maioria do Supremo, o foro especial deve valer apenas para crimes cometidos durante o mandato e que tenham relação direta com ele.
Na Câmara, a proposta que pretende restringir o foro especial está emperrada. Ela não limita os casos em que o foro é utilizado, mas sim que cargos teriam acesso a ele: presidentes da República (e vice), da Câmara, do Senado e do STF. Aprovada no primeiro semestre de 2017 no Senado, foi votada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara em novembro. Desde então, está estagnada.
Em dezembro, o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), criou uma comissão especial que deve dar seguimento ao processo. Apesar de criada, a comissão não está funcionando. Segundo o relator, Efraim Filho (DEM-PB), a lentidão se deve ao fato de que nem todos os partidos indicaram mem-bros titulares. "Algumas lideranças têm utilizado esse artifício para desacelerar a tramitação", declara ele.