O presidente do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), desembargador Gesivaldo Britto, derrubou o pedido de afastamento da urbanista Juliana Paes, do cargo de secretária do desenvolvimento urbano e meio ambinete de Camaçari. Na sua decisão, datada desta quinta-feira (1/3), o magistrado considera sem provas a medida de afastamento imposta pelo Juiz César Borges, da 1ª Vara da Fazenda Pública de Camaçari (Confira). O desembargador Gesivaldo Britto também cita como acertada a decisão do Juízo Criminal da Comarca de Camaçari/BA, que não acatou o pedido de prisão da secretária, feita pelo Ministério Público, autor da ação.
Íntegra da Decisão
PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
Tribunal Pleno
Processo: SUSPENSÃO DE LIMINAR OU ANTECIPAÇÃO DE TUTELA n.8003675-87.2018.8.05.0000
Órgão Julgador: Tribunal PlenoAUTOR: MUNICÍPIO DE CAMAÇARIAdvogado(s): BRUNO NOVA SILVA (OAB:0026365/BA)
RÉU: VARA DE FAZENDA PUBLICA DA COMARCA DE CAMAÇARI e outrosAdvogado(s):
DECISÃO
Trata-se de pedido de Suspensão da Execução de Liminar apresentado pelo MUNICÍPIO DECAMAÇARI/BA contra a decisão do Juízo de Direito da 1a Vara da Fazenda Pública da Comarca deCamaçari/BA que, nos autos da Ação Civil Pública no 0500619-08.2018.8.05.0039, ajuizada peloMINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA, deferiu a liminar requerida e determinou o “afastamento imediato de qualquer função ou cargo público, exercido pela primeira requerida nos autosJULIANA FRANCA PAES, na administração pública municipal”.
Extrai-se dos autos que o Ministério Público Estadual ajuizou Ação Civil Pública por ato de improbidadeadministrativa, com pedido liminar, contra Juliana Franca Paes, Heverton Andrade Pereira, EpaminondaLazaro Pereira Daltro, Ricardo Assis de Sá, Marcelo Sarmento Soares, Carlos Jean Santos e Aridã deSouza Carneiro, alegando, em síntese, “que fora formada uma quadrilha no âmbito da referida SecretariaMunicipal, para a cobrança de propinas, supostamente destinadas ao custeio de campanhas eleitorais”(ID 759266, Pgs. 02/19).
Na oportunidade, o Parquet requereu, em sede de liminar, a decretação de afastamento de todos osacionados de suas funções públicas, ressaltando que “as suas permanências apresentam sérios riscos ainstrução da presente ação tendo em vista a influência do seu cargo. Além disso, desrespeita àmoralidade da Administração Pública Municipal as suas permanências” (pg. 17, ID 759266).
Ao apreciar o pedido liminar, o Juízo de primeiro grau decidiu pelo “afastamento imediato de qualquerfunção ou cargo público, exercido pela primeira requerida nos autos JULIANA FRANCA PAES, naadministração pública municipal, considerando que exerce funções de comando, das práticassupostamente ilícitas, acima relatadas, até ulterior decisão judicial, haja vista que a sua permanência afrente da referida Secretaria Municipal, possibilita a permanência da prática dos atos de improbidadeadministrativa, e, presumidamente, prejudicará a ulterior instrução processual, dos graves fatosrelatados pelos depoentes, ouvidos em sede de Inquérito Civil” (pg. 12, ID 759261).
Em razão disso, o Município de Camaçari/BA ajuizou o presente Pedido de Suspensão da referida decisãoliminar, ressaltando que a mesma causa grave “crise institucional no âmbito da Administração municipale instabilidade na independência e harmonia entre os Poderes da República (CF, art. 2o), diante deingerência drástica, injustificável e indevida do Judiciário no seio do Poder Executivo, além de prejuízos concretos e irreversíveis à ordem pública e lesão à própria credibilidade do Poder Judiciário”.
Demais disso, alega a Procuradoria-Geral da referida municipalidade que, além do ajuizamento damencionada Ação Civil Pública por ato de improbidade administrativa, o Ministério Público ofereceudenúncia em face dos mesmos fatos, instaurando-se o Processo Crime no 0500618-23.2018.8.05.0039,distribuído para a 1a Vara Criminal da Comarca de Camaçari/BA.
Informa que o Juízo Criminal proferiu decisão rejeitando a denúncia, em razão de ausência de suporteprobatório mínimo a sustentar o prosseguimento da persecução criminal, determinando, após o trânsitoem julgado, o arquivamento dos autos e julgando prejudicado o pedido de prisão preventiva formulado.
Ao final, o Município de Camaçari/BA requer a suspensão dos efeitos da decisão liminar proferida peloJuízo da 1a Vara da Fazenda Pública, nos autos da Ação Civil Pública por Ato de ImprobidadeAdministrativa tombada sob o no 0500619-08.2018.8.05.0039, ressaltando que: “a) trata-se de decisãoque coloca em grave risco a normalidade público-administrativa do Município, b) representa lesão àordem jurídica e à própria credibilidade do Poder Judiciário; c) importa inegável instabilidade naindependência e harmonia entre os Poderes, ensejando afronta ao princípio constitucional insculpido noart. 2o, da CF; d) afeta o princípio da autonomia municipal estampado na carta Magna vigente (CF, art.34, VII, “c”); e) consubstancia verdadeiro periculum in mora inverso acaso sejam mantidos os efeitos do‘afastamento cautelar por presunção’ equivocadamente deferido pelo Magistrado de primeiro grau”.
É o relatório.
DECIDO.
No caso dos autos, os pressupostos legais de existência e validade estão presentes. Assim sendo, conheçodo pedido e, em seguida, decido.
Com efeito, o Município de Camaçari/BA, por intermédio de sua Procuradoria-Geral, desincumbiu-se de demonstrar o cabimento do presente pedido de Suspensão de Decisão Liminar, uma vez que restou evidenciada a grave lesão à ordem pública em razão da determinação de afastamento cautelar sem elementos concretos para tanto, conforme a legislação de regência do tema (art. 12, § 1o, da Lei no7.347/1985).
Demais disso, não se olvida que a decisão liminar atacada conflita diretamente com a anterior decisão decaráter terminativo, portanto, exauriente, prolatada pelo Juízo Criminal da Comarca de Camaçari/BA, que concluiu pela ausência de lastro probatório mínimo sobre os mesmos fatos objeto da ação de improbidadede origem.
A decisão liminar vergastada baseou-se apenas em presunções para determinar o afastamento sumário deuma Secretária Municipal, sem apontar motivos concretos para o deferimento da medida liminar restritivade direitos. Neste ponto, o teor da decisão liminar é explícito, senão vejamos: “haja vista que a suapermanência a frente da referida Secretaria Municipal, possibilita a permanência da prática dos fatos deimprobidade administrativa e, presumidamente, prejudicará a ulterior instrução processual, dos gravesfatos relatados pelos depoentes, ouvidos em sede de Inquérito Civil” (pg. 12, ID 759261 – grifou-se).
Esse posicionamento judicial é contrário a mens legis do art. 20, parágrafo único, da Lei no 8.429/1992, etambém se afasta do remansoso posicionamento jurisprudencial, pelo qual “se não há demonstraçãocabal e concreta de o agente estar dificultando a instrução processual, não se revela admissível aimposição da medida drástica prevista no parágrafo único do art. 20 da Lei 8.429/1992, que, sendonorma restritiva de direito, não admite interpretação ampliativa ou extensiva” (STF, Presidente Min.Ricardo Lewandowski, Suspensão de Liminar no 1.028, DJe-222 DIVULG 18/10/2016).
No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça tem consolidado entendimento de que a merarelevância do cargo não significa, de forma automática, a imposição de afastamento do agente público.Confira-se:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EMRECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.AFASTAMENTO DO AGENTE PÚBLICO DO EXERCÍCIO DO CARGO. RISCO À INSTRUÇÃOPROCESSUAL. REQUISITO NÃO DEMONSTRADO. 1. "A norma do art. 20, parágrafo único, da Leino 8.429, de 1992, que prevê o afastamento cautelar do agente público durante a apuração dos atos deimprobidade administrativa, só pode ser aplicada se presente o respectivo pressuposto, qual seja, aexistência de risco à instrução processual" (AgRg na SLS 1.558/AL, Rel. Ministro Ari Pargendler, CorteEspecial, DJe 6/9/2012). A mera menção à relevância ou posição estratégica do cargo não constituifundamento suficiente para o respectivo afastamento cautelar. 2. Agravo regimental não provido.(STJ, AgRg no AREsp 472.261/RJ, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA,julgado em 13/06/2014, DJe 01/07/2014).
Portanto, no entendimento deste julgador, tratando-se de medida cautelar gravosa, o afastamento cautelardo cargo público somente deve ser deferido quando houver elementos concretos a demonstrar que apermanência do agente, exercendo funções públicas, está causando embaraços ao regular andamento dainstrução processual, sem margens para presunções. Por sua vez, tal circunstância deverá ser comprovadapor meio de conjunto probatório robusto capaz de, mediante o devido processo legal, justificar a restriçãode direitos fundamentais, o que não se verificou no caso da decisão liminar hostilizada.
Por tudo isso, não se pode olvidar que a ligação íntima havida entre os direitos e garantias fundamentaisdo homem e o État de Droit gerou uma relação de interdependência, sendo que não é possível se concebera consecução de um Estado de Direito sem o reconhecimento dos direitos fundamentais e, menos ainda,efetivar os direitos fundamentais sem a noção de Estado Constitucional.
Muito embora não seja aplicável, in casu e a rigor, o disposto no art. 2o da Lei no 8.437/92, chama-se aatenção que foi apresentada espontaneamente manifestação preliminar com esclarecimentos por parte dadefesa da Secretária, o que sequer foi objeto de análise pelo Magistrado de primeiro grau antes de decidirpela medida de afastamento preventivo.
De tudo o quanto expendido acima, resta evidenciado o grave risco de lesão à ordem administrativa e àsegurança jurídica, de sorte a autorizar a suspensão dos efeitos da decisão liminar vergastada, até otrânsito em julgado da ação em trâmite no juízo a quo, nos termos do art. 4o da Lei no 8.437/92 c/c o art.12, §1o, da Lei no 7.347/85.
Ante o exposto, defiro o pedido de suspensão dos efeitos da decisão liminar proferida pelo Juízo da 1aVara da Fazenda Pública da Comarca de Camaçari/BA, nos autos da Ação Civil Pública por Ato deImprobidade Administrativa de no 0500619-08.2018.8.05.0039, nos termos da exordial, suspendendo adeterminação de afastamento cautelar da Secretária Municipal Juliana Franca Paes.
Publique-se. Intimem-se.
Salvador/BA, março 01, 2018.
DES. GESIVALDO BRITTO
Presidente do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia