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Diego Copque


Origem e evolução da comunidade cigana em Camaçari



A presença dos ciganos na região que hoje é chamada de Camaçari, desde a costa marítima, entre Vila de Abrantes e a foz do rio Pojuca, até a área que hoje é a sede do município, data oficialmente do começo do século XIX.  Com cerca de 300 famílias, a comunidade é representada em Camaçari pela etnia Calon, uma das três linhagens com comunidades espalhadas pelos bairros do PHOC II, Gleba H, Parque Verde, Jardim Limoeiro e Verde Horizonte.


Os primeiros registros da presença da comunidade cigana no Brasil se referem ao Alvará do rei D. Sebastião no ano de 1574, que envia como degredado para o Brasil o cigano João Torres e sua família. A presença em grande número dessa comunidade na Bahia ocorre quando os ciganos, que viviam em Portugal, sofreram condenações de exílio para a África e o Brasil.


A origem dos ciganos é cheia de mistérios e sua história é transmitida a partir da oralidade, mas muitos estudiosos acreditam que eles surgiram na Índia por conta da semelhança dos aspectos linguísticos do idioma Romani falado por eles com a antiga língua sânscrito. No entanto, existem estudiosos que acreditam que a origem dos povos ciganos não tenha relação com a Índia. Existem três grupos étnicos de ciganos: os Calon que vieram da Península Ibérica, os Roma oriundos da Europa Central e Oriental e a etnia Sinti, que é procedente da Alemanha, Itália e França.


De acordo com Aristides Milton, a palavra “cigano” deriva do italiano “cingari” e do alemão “ziegner”, que foi dado a uma família egípcia que se mudou do continente africano para a Alemanha no início do século XVI, depois que o sultão Selim conquistou o Egito. Da Alemanha os ciganos espalharam-se por toda a Europa e de lá passaram para a América. Ainda segundo Aristides Milton, em 1718 chegaram à cidade do Salvador algumas famílias de ciganos. O rei de Portugal havia recomendado às autoridades baianas que tivessem o máximo de cuidado para impedir que eles ensinassem aos seus filhos a sua língua e gírias, pois ao rei convinha extinguir os seus hábitos e costumes. O rei de Portugal também havia determinado que as famílias ciganas degredadas para a Bahia se mantivessem na cidade do Salvador. Os primeiros ciganos, desembarcados em Salvador, se estabeleceram na freguesia do Santíssimo Sacramento de Santana. O local onde eles se instalaram foi denominado de Mouraria. O lugar do antigo acampamento é onde atualmente está localizado o Quartel General da VI Região Militar.


Curiosamente na Mouraria residiu uma família de ciganos cujo sobrenome era Moura, a exemplo dos seguintes registros: óbito da cigana Maria Rosa, mulher de José de Moura em 15 de abril de 1808; óbito de Joaquina de Moura, filha do cigano Cristovão de Moura, que morreu em 19 de maio de 1811; e José de Moura, morto em 25 de dezembro de 1815.


No dia 3 de maio de 1756, através de um ofício do vice-rei Conde dos Arcos, se comunicava a chegada à Capitania da Bahia de mais 11 casais de ciganos. Em 1761 Portugal ordenava a incorporação dos jovens ciganos nas guarnições de defesa da cidade do Salvador. Por causa do recrutamento compulsório, a maioria dos jovens ciganos escapava do serviço militar, se embrenhando em diversas localidades do Recôncavo e do sertão. As autoridades baianas buscavam o controle das famílias ciganas que estavam se afastando de seu núcleo primitivo, pois eles estavam abandonando suas casas para se estabelecer no interior, vivendo de vendas e escambo.


Essa situação fez com que as autoridades locais ordenassem aos ouvidores e juízes de fora de cada localidade que os obrigassem a se manter onde inicialmente foram instalados, não permitindo que se abrigassem fora da capital. No entanto, as autoridades permitiam que aqueles que tivessem interesse em arrendar terras e fazendas que lhes fosse concedido, desde que seus filhos adultos servissem como soldados e os meninos fossem matriculados para aprender um ofício. Porém, as autoridades ressaltavam que seria mais difícil acomodar as jovens ciganas, porque elas não queriam se relacionar com as jovens brancas, mas se relacionavam muito bem com as jovens pretas e mulatas. O mesmo documento nos informa que na Bahia existia uma média de 1.000 ciganos, e que muitos destes possuíam escravos e tinham também uma boa relação com os índios.


Em decorrência do crescimento da comunidade cigana na cidade do Salvador, foi permitido que eles também se estabelecessem na freguesia de Santo Antônio Além do Carmo, mas quando foram expulsos da capital baiana eles migraram para o Recôncavo e o sertão. Essa migração possivelmente ocorreu no final do século XVIII, pois no dia 27 de novembro de 1803 aconteceu o batismo de Feliciana, filha do casal de ciganos Antônio Soares e Josefa Mendes.


A solenidade foi celebrada na Igreja de Nossa Senhora da Victoria na freguesia de Mata de São João. Da mesma forma, se repetiu na freguesia de Abrantes no dia 21 de dezembro de 1840 o batismo de Antônio, filho legítimo dos ciganos Antônio Soares Cachoeira e Joaquina Soares. No dia 15 de setembro de 1894 também foi celebrado em Abrantes o batismo de Maria, filha dos ciganos Pomfilio Soares Chris Salgado e Antônia Maria de Jesus. Esses registros eclesiásticos são evidências da presença da comunidade cigana na freguesia de Mata de São João e na Vila de Abrantes desde o início do século XIX.


De acordo com dados do Censo Demográfico 2010 do IBGE, a população total de ciganos no Brasil é de 800 mil pessoas. O estudo localizou assentamentos em 291 dos 5.565 municípios, localizados em 21 dos 27 estados da federação, com destaque para os estados de Minas Gerais com 58 assentamentos e  Bahia com 53.


Em reconhecimento à contribuição dos povos ciganos no processo de formação da história e cultura do Brasil, foi sancionado decreto em 25 de maio de 2006 estabelecendo o dia 24 de maio como o Dia Nacional do Cigano, pelo então Presidente da República Luís Inácio Lula da Silva. Nessa data é celebrado também o Dia da Padroeira dos povos ciganos Santa Sara Kali.


Encontra-se no Senado Federal o Projeto (PLS/ 2015) para votação do Estatuto do Cigano que visa garantir políticas públicas, combate ao preconceito e discriminação da população cigana no Brasil. Finalizamos afirmando que é preciso respeitar e preservar a identidade étnica e o legado histórico e cultural dos povos ciganos no Brasil.


Diego de Jesus Copque diegokopke@gmail.com é professor, compositor letrista, historiador, pesquisador da História de Camaçari e autor do livro em fase de edição Do Joanes ao Jacuípe, uma história de muitas querelas, tensões e disputas locais. 


Opiniões e conceitos expressos nos artigos são de responsabilidade do autor


 
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